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| (Foto: Smitson Oliveira - Seabra/Chapada) |
O exemplo vem da Chapada, na Bahia: dentre os filhos/filhas de descendentes de africanos escravizados está a médica Maria de Lourdes Moreira (Dra. Lurdinha – foto acima), a primeira quilombola a entrar (e se formar) no curso de Medicina da UESB.
Por Jadson Oliveira – jornalista/blogueiro – editor do Blog Evidentemente
Uma comunidade quilombola, constituída atualmente por cerca de 80 famílias, conseguiu um feito memorável: graças às políticas públicas inclusivas, como as cotas raciais nas universidades, incrementadas principalmente a partir dos governos de Lula, já formou 12 médicos e médicas entre seus filhos.
Além de vários outros profissionais graduados em áreas como Enfermagem, Nutrição, Economia, Fisioterapia, Serviço Social, Biotecnologia, Biomedicina e Advocacia.
Para ser mais exato, são três pequenos povoados que se juntaram numa única comunidade remanescente de quilombo, no processo de reconhecimento e certificação pela Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura: Barra, Bananal e Riacho das Pedras, no município de Rio de Contas, na Chapada Diamantina, interior da Bahia. O reconhecimento foi publicado no Diário Oficial da União em 12/09/2005.
É formada por descendentes de povos africanos escravizados que, ao longo de séculos, vêm enfrentando as mazelas decorrentes da miséria, abandono e preconceito, situação de modo geral comum à de quase uma centena de comunidades quilombolas da Chapada. No caso desta - em especial a parte de Riacho das Pedras -, ainda estão na lembrança os enormes prejuízos causados aos habitantes pela construção nas suas terras da barragem do rio Brumado, nos anos 1970/1980.
Diante da história de sofrimento de gerações e gerações, o registro de superação aqui anunciado pode ser visto realmente como um milagre, o verdadeiro milagre brasileiro, se nossas antenas estivessem direcionadas para o interesse da maioria, especialmente as camadas mais carentes.
São passos rumo à busca da superação da dura realidade social e cultural forjada sob o tacão de 350 anos de escravidão negra: pobres, pretos e mulheres se tornando doutores.
Infelizmente, na contramão desse processo, as forças dominantes do Brasil atual, cuja face mais visível é o mal chamado bolsonarismo, tentam destruir tais políticas buscando a manutenção – ou até o alargamento, se puderem – das desigualdades.
Mas, deixemos o discurso político-ideológico e voltemos aos fatos.
Uma doutora negra, de família pobre e... mulher, uma quilombola
Doutora Lurdinha – Maria de Lourdes Silva Aguiar Moreira, 33 anos – é uma dessas/desses 12 médicas/médicos. Nasceu em Livramento de Nossa Senhora, cidade que fica a 9 quilômetros de Rio de Contas. Filha de peão de estrada/boia-fria em São Paulo que só sabe escrever o nome. E de empregada doméstica, que trabalhava em casa duma professora e chegou a ser também professora.
“Seo” Salvador e a professora Bernardina (os nomes de seus pais) tiveram mais sete filhos. Por enquanto, apenas Lurdinha concluiu o curso superior, mas tem um irmão que estuda Educação Física e uma irmã fazendo Pedagogia.
Lurdinha foi alfabetizada na zona rural de Livramento; aos 10 anos foi morar com uma tia em Rio de Contas, estudou aí o fundamental; quanto ao ensino médio fez dois anos em Livramento e o terceiro já em São Paulo, concluído aos 18 anos, em 2003. A partir daí parou de estudar durante cinco anos, trabalhando na capital paulista.
Após a morte da mãe, em 2008, retorna a Livramento e, em seguida, foi estudar em Vitória da Conquista, onde, no ano seguinte, acabou entrando no curso de Medicina da UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia). Foi a primeira quilombola a conseguir tal façanha na UESB (a primeira a entrar e se formar).
Mas, para isso, teve que enfrentar e vencer algumas batalhas, sendo fundamentais os incentivos provenientes da certificação da Fundação Palmares, cujo processo já tinha sido concluído em 2005.
E também o apoio de entidades e militantes ligados ao movimento negro e de defesa das comunidades quilombolas em Conquista: fez o cursinho pré-vestibular Dom Climério, coordenado pela ativista negra Elizabeth Ferreira Lopes; e morou na Casa do Estudante Zumbi dos Palmares, hoje Dandara dos Palmares, que foi criada a partir dum projeto do então deputado federal Luiz Alberto (PT-Bahia), com a participação da prefeitura de Conquista.
Formada em maio de 2016, Lurdinha começa a vida de “doutora”, na região mesmo da Chapada: primeiro em Lençóis, depois em Seabra, trabalhando no Hospital Regional da Chapada, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e na Unidade Básica de Saúde (UBS) do distrito de Velame.
Agora, no final de 2018, se transferiu para o município próximo de Wagner, integrando o programa Mais Médicos (e continua com plantões em Seabra - no Hospital Regional e na UPA).
- E aí, doutora Lurdinha, o que lhe diz esta sua trajetória?
- Minha trajetória na universidade não foi fácil, mas foi um tempo de crescimento pessoal e profissional. Provei os sabores doces e amargos – olhares desacreditados por parte de alguns, indiferença e preconceitos -, mas sempre estive focada em conquistar o meu objetivo principal. Foram anos de estudo, anos de dedicação exclusiva à Medicina. Acredito que o resultado foi excelente e espero demonstrar isso no desempenho das minhas atividades.
- Uma curiosidade: o fato de sua mãe ser professora serviu de incentivo?
- Sim, muito. Tive (e tenho) como inspiração permanente a minha mãe (in memoriam) Bernardina Silva Aguiar, que sempre me incentivou a estudar. Eu sempre presenciava a minha mãe estudando e o gosto pela leitura partiu dessa convivência.
(Matéria baseada em informações da Dra. Lurdinha e pesquisa na Internet)

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