domingo, 21 de abril de 2019

Sobre a Revisão do Plano Diretor de Ananindeua-PA. Por Mauricio Leal e Mayara Rolim*



                                                              
Que preto, que branco, que índio o quê?
Que branco, que índio, que preto o quê?
Que índio, que preto, que branco o quê?

Não tem um, tem dois
Não tem dois, tem três
Não tem lei, tem leis
Não tem vez, tem vezes
Não tem deus, tem deuses
Não tem cor, tem cores

o há sol a sós
(Arnaldo Antunes)

A Lei municipal do Plano Diretor é uma exigência constitucional para os municípios com mais de 20.000 habitantes e tem por função constitucional: 1) ser o instrumentos básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (Art. 182, §1º da CF/88); 2)  conformador da propriedade urbana a sua função socioambiental e cultural (Art. 182, §2º da CF/88). A Lei municipal do Plano Diretor é uma das principais ferramentas de planejamento municipal que deve ser compreendida de forma integrada ao planejamento orçamentário, com os planos, programas e projetos setoriais (mobilidade, saneamento, resíduos sólidos, moradia), com a disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo, com o zoneamento ambiental e com os planos de desenvolvimento econômico e social. Quanto ao planejamento municipal, é importante ressaltar que a participação popular é obrigatória por força do comando constitucional do Art. 29, XII da CF/88 (cooperação das associações representativas no planejamento municipal). A participação popular é condição de validade jurídica da Lei do Plano Diretor em todo o seu processo, desde a elaboração, execução e revisão, sem a qual o Plano Diretor não possui validade jurídica e os agentes públicos (executivo, legislativo) que não a garantirem incorrem em crime de improbidade administrativa. A garantia da participação popular nos termos do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) não se faz somente com "a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade” (Art. 40, I do EC) mas também com a garantia da publicidade quanto aos documentos e informações produzidos e do acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos (Art. 40, II e III do EC). Tais dispositivos permitem que, dado os recursos disponíveis em mídias sociais (Sites, Facebook, Twitter, Blogs, Instagram), todo e qualquer cidadão acompanhe em tempo real os eventos da revisão do Plano Diretor de Ananindeua, ainda mais, é possível que ele acesse todo os documentos e informações produzidas para o processo de revisão pela internet, sem precisar dos documentos físicos, então, para que a garantia da participação popular no processo de revisão do PD seja efetiva, não basta só garantir a realização de audiências públicas, o poder público deve garantir a democratização das informações do processo de revisão do PDA. Outro aspecto, diz respeito ao fato de que conceitualmente o PD é o instrumento básico da política de desenvolvimento urbano e de expansão urbana, contudo, nos termos do Estatuto da Cidade, o plano diretor como instrumento de planejamento territorial deve compreender todo o território do Município (Urbano e Rural), portanto, o debate sobre o plano diretor de Ananindeua envolve todo o território do Município, que é diverso, pois possui uma parte insular, comunidades quilombolas que precisam de uma abordagem diferenciada quanto aos seus direitos territoriais, nesse sentido explorar a competência legislativa do município para suplementar a legislação federal e a estadual em matéria urbanística (Art. 30, II da CF/88) cria a possibilidade de viabilizar institutos jurídicos e políticos que atendam as peculiaridades desses direitos territoriais.  
A Lei Nº 2.237/06, de 06 de Outubrode 2006 instituiu o Plano Diretor de Ananindeua, que em razão do que determina o art. 40, § 3º da Lei º 10.257/01 (Estatuto da Cidade) deve ser revisada a cada 10 anos. A Prefeitura de Ananindeua, mesmo que tardiamente, iniciou o processo de revisão do PDA, sobre esse processo queremos indicar algumas questões para o debate. A primeira questão que queremos debater é o sentido normativo da revisão do Plano Diretor, quais as suas possibilidade e limites, considerando, ainda a atual conjuntura de restauração neoliberal que afeta as políticas públicas urbanas e todo o desenvolvimento histórico de implementação de instrumento jurídicos e políticos de funcionalização da propriedade urbana a sua função socioambiental e cultural, que tem no enfraquecimento do papel do poder publico municipal nas politicas de desenvolvimento urbano e o esfacelamento da participação popular no plano federal com a extinção do Conselho Nacional das Cidades (CONCIDADES) o seu principal sintoma. Revisar o plano diretor com garantia de participação popular é um ato de resistência democrática.
O Plano Diretor do Município de Ananindeua (Lei Nº 2.237/06, de 06 de Outubro de 2006 ) é fruto da campanha deflagrada pelo Ministério das Cidades (2003), intitulada “Plano Diretor Participativo”. A elaboração desse e de outros Planos Diretores elaborados à época tinham uma característica comum, além de contemplar uma lista de instrumentos  urbanísticos obrigatórios, deveriam atender uma metodologia de elaboração participativa prevista pela Resolução n° 25 de 18 de Março de 2005 do agora extinto Conselho Nacional das Cidades.  Agora, passados mais de 10 anos da elaboração do Plano Diretor, é hora de avaliar os seus acertos e equívocos, em 10 anos é tempo, inclusive, para avaliar os possíveis impactos positivos ou negativos da aplicação ou não do Plano Diretor no município. A revisão do Plano Diretor não é somente o momento para fazer uma atualização legislativa, mas de atualizar/revisar os modelos de planejamento utilizados à luz das transformações estruturais enfrentadas pelo Município em seu contexto metropolitano. Acreditamos que do ponto de vista jurídico é uma oportunidade para viabilizar processos ainda não iniciados por carência de regulamentação e indicar novos caminhos para agendas importantes tais como, o reconhecimento da necessidade de introduzir instrumentos de gestão urbana com perspectiva de gênero no sentido de potencializar a igualdade nas cidades. Isto porque, acreditamos que o processo de revisão deve incorporar questões que surgiram com o debate internacional sobre a afirmação do direito à cidade como direito humano, que tem naNova Agenda Urbana (NAU), que é uma declaração que resultou da Habitat III, a Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Quito, 2016) a expressão da luta por cidades mais justas, seguras, saudáveis, resilientes e sustentáveis. Nesse sentido, a revisão do plano diretor pode ser muito mais que somente revisar a adequação ou não do macrozoneamento e da aplicação ou não dos instrumentos urbanísticos, é a possibilidade de se instaurar um processo participativo que aprofunde os instrumentos de gestão democrática da cidade, que institua processos que efetivem a função socioambiental e cultural da propriedade e da cidade, que combata a irregularidade urbanística, que garanta o direito à moradia digna, que crie mecanismos de promoção e proteção do direito à cidade entendido como um direito humano, um bem comum.
Belém, 21 de abril de 2019. 

*Maurício Leal Dias
Advogado e Professor da Faculdade de Direito da UFPA

Mayara Rolim
Especialista FIPAM/NAEA/UFPA
Mestranda PPGEDAM/NUMA/UFPA

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