terça-feira, 3 de novembro de 2020

CNJ e CNMP vão investigar juiz e promotor do caso Mariana Ferrer


Via site JOTA

Por ANA POMPEUC CLARACERIONI


Juiz de direito do TJSC conduziu processo que absolveu acusado de estupro por falta de provas

TJSC Crédito: divulgação

A conduta do juiz de Direito Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), no processo sobre a acusação de estupro da influencer Mariana Ferrer, será alvo de investigação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A apuração foi determinada pelo juiz auxiliar Carl Olav Smith, após provocação do conselheiro Henrique Ávila, também do CNJ, nesta terça-feira (3/11).

A postura do promotor do caso, Thiago Carriço, também motivou ofício à Corregedoria Nacional do Ministério Público. Os quatro conselheiros do órgão que assinam o ofício afirmam que é necessário investigar se houve “atuação omissa” do colega, diante de cenas “grotescas”.

O processo, que tramita desde 2019 em segredo de justiça, trata da acusação do empresário André de Camargo Aranha pelo crime de estupro de Mariana, que teria ocorrido em 15 de dezembro de 2018 em Florianópolis. Em 9 de setembro deste ano, o juiz Rudson Marcos absolveu o empresário, após pedido de improcedência apresentado pelo Ministério Público. Leia a sentença na íntegra.

O caso ganhou repercussão hoje, após reportagem do Intercept Brasil intitulada “Julgamento de influencer Mariana Ferrer termina com sentença inédita de ‘estupro culposo’ e advogado humilhando jovem” e também da divulgação de um trecho em vídeo da audiência de julgamento da ação penal.

No vídeo da audiência do caso, revelado pelo Intercept Brasil, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, que defende o acusado, ataca a vítima mostrando fotos dela, criticando seus posts em redes sociais e mencionando sua situação profissional. Mariana chora e advogado ataca novamente, dizendo que seu choro é “dissimulado, falso”.

Rosa Filho diz, também, que não deseja ter uma filha ou que seu filho se relacione com alguém do “nível” da vítima. Na audiência, Ferrer pede respeito e intervenção por parte do juiz que conduzia a sessão, argumentando que o tratamento a ela oferecido não é digno nem aos acusados de crimes hediondos.

Repercussão

A repercussão do caso foi grande. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, publicou em seu perfil no Twitter: “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram.”

Os conselheiros do CNMP que pediram a investigação do promotor Thiago Carriço escreveram: “As cenas são — sem qualquer superlativo — grotescas e demonstram a falha de nosso sistema de justiça e sua incapacidade estrutural de lidar com o respeito às vítimas, especialmente nos crimes praticados contra mulheres, cuja condição de vulnerabilidade mereceria a maior proteção e respeito por parte de todos os agentes públicos.”

Para quatro conselheiros do CNMP, ele deve responder a reclamação disciplinar por ter se mantido omisso enquanto Mariana Ferrer era submetida a “verdadeira tortura psicológica”. Os conselheiros Sandra Krieger, Luiz Fernando Bandeira de Mello, Otavio Luiz Rodrigues Jr. e Luciano Nunes Maia Freire enviaram um memorando ao corregedor-nacional do MP Rinaldo Reis.

Não há menção a um “estupro culposo” na sentença

Na sentença, o magistrado registrou que, nas alegações finais do processo, o Ministério Público mudou seu entendimento inicial e pediu a improcedência total da denúncia, “com a absolvição do acusado pela prática do crime imputado na inicial acusatória, ao argumento de que não há provas suficientes da materialidade do delito”.

Para justificar a decisão, o juiz menciona a doutrina de Rogério Greco: “O dolo é o elemento subjetivo necessário ao reconhecimento do delito de estupro de vulnerável, devendo abranger as características exigidas pelo tipo do art. 217-A do Código Penal, vale dizer, deverá o agente ter conhecimento de que a vítima é menor de 14 (catorze) anos, ou que esteja acometida de enfermidade ou deficiência mental, fazendo com que não tenha o discernimento necessário para a prática do ato, ou que, por outra causa, não possa oferecer resistência. Se, na hipótese concreta, o agente desconhecia qualquer uma dessas características constantes da infração penal em estudo, poderá ser alegado o erro de tipo, afastando-se o dolo e, consequentemente, a tipicidade do fato”.

Na estrutura do sistema Judiciário brasileiro, alegou o juiz, cabe ao Ministério Público fazer as acusações no processo penal. “Isso deixou o juiz no lugar de espectador, ou seja, sem qualquer pretensão probatória na gestão da prova”, escreveu o magistrado.

Depois, o magistrado afirmou: “não há qualquer possibilidade de o juiz condenar quando o representante do Ministério Público requer a absolvição. Proceder dessa forma seria uma fraude ao sistema acusatório, inclusive, frente à positivação recente de tal sistema em nosso ordenamento jurídico”.

De acordo com a sentença, os “indícios antes referidos não são suficientemente seguros para autorizar a condenação”. O magistrado escreveu que, com base em imagens apresentadas, é possível perceber “claramente que a ofendida possui controle motor, não apresenta distúrbio de marcha, característico de pessoas com a capacidade motora alterada pela ingestão de bebida alcoólica ou de substâncias químicas”.

“Sendo assim, a meu sentir, o relato da vítima não se reveste de suficiente segurança ou verossimilhança para autorizar a condenação do acusado”, decidiu. Ele citou, ainda, que como as provas acerca da autoria delitiva são conflitantes em si, “não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, ‘melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente'”.

ANA POMPEU – Repórter em Brasília. Cobre Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Passou pelas redações do ConJur, Correio Braziliense e SBT. Colaborou ainda com Estadão e Congresso em Foco. Email: ana.pompeu@jota.info

CLARA CERIONI – Repórter em São Paulo. Cobre temas relacionados à política e ao Judiciário, além de ser uma das responsáveis pelos conteúdos do JOTA Discute. Antes, foi repórter de macroeconomia na Exame. Email: clara.cerioni@jota.info

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