quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Aterros sanitários significam enterrar de vez os lixões no Brasil, diz Ayres Britto

 


Via site JOTA

As políticas para a correta destinação de resíduos e o debate sobre o tema no STF foram discutidos na C vcasa JOTA. despeito do que estipula o Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/ 2020), que previa que todos os lixões do Brasil saíssem de atividade até agosto de 2024, cerca de 3 mil deles ainda estão em funcionamento no país. Já os aterros sanitários são uma alternativa sustentável e economicamente viável para a gestão de resíduos sólidos e atual destino de 60% do lixo. 

Vídeo completo do debate

Em painel na Casa JOTA, em Brasília, nesta terça-feira (27/8), com patrocínio da ABREMA, gestores públicos e especialistas discutiram, em dois painéis, oportunidades para melhorar a gestão de resíduos sólidos no Brasil, além dos desafios jurídicos e regulatórios. 

Segundo estudo produzido pela ABREMA, 40% das 77 milhões de toneladas de lixo produzidas por ano no Brasil ainda são descartadas de forma incorreta. Além dos lixões, há ainda o descarte inadequado das 5 milhões de toneladas de resíduos de quem não dispõe sequer dos serviços de coleta, o que corresponde a quase 10% da população brasileira. 

Na contramão dos avanços necessários, o Supremo Tribunal Federal (STF) limitou as possibilidades previstas em lei para intervenção excepcional em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e retirou do rol a “gestão de resíduos”. O tema ainda aguarda decisão definitiva.

“Os aterros sanitários, numa análise contemporânea e realista, significam um enterro dos lixões”, afirmou o ex-ministro do STF, Ayres Britto, ao analisar a discussão no STF. 

Universalização do tratamento de resíduos no Brasil

Em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos previu o fim dos lixões até 2014, o que não aconteceu. Após uma longa tramitação no Congresso Nacional, foi aprovado em 2020 o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, que previu o fim dos lixões em todos os municípios até agosto de 2024. Deputado federal Arnaldo Jardim; editor do JOTA Roberto Maltchik; Natália Resende, secretária de Meio Ambiente e Infraestrutura de SP; Eduardo Rocha, diretor do Departamento de Gestão de Resíduos do MMA.

No primeiro painel, Arnaldo Jardim, deputado federal, defendeu que o Legislativo se pergunte por que os lixões ainda persistem e por que não há uma plena implementação dos aterros. 

“Para mim, o erro não é conceitual. Estabelecemos a responsabilidade compartilhada, que é a integração entre a gestão pública e as empresas. Estabelecemos que para o aterro deve ser mandado aquilo que não tem mais jeito, o rejeito. Para isso ser efetivado, falta ser ajustada a questão da sustentabilidade econômica”, disse ele, que foi relator da Política Nacional de Resíduos Sólidos. 

O parlamentar explica que, ao longo dos anos, o governo federal disponibilizou recursos para alguns programas de planos regionais de descarte de resíduos sólidos, mas que isso não é suficiente para criar e manter todos os aterros necessários. Atualmente, há a previsão legal de que os municípios garantam a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços, por meio da cobrança de taxa ou tarifa. Entretanto, muitos prefeitos resistem a implementá-las por considerá-las impopulares, mantendo os serviços subfinanciados.

Eduardo Rocha, diretor do Departamento de Gestão de Resíduos do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, apontou que a maior dificuldade de avanço da nova política é em municípios pequenos, com menos de 20 mil habitantes.

“Precisamos criar agrupamentos territoriais para que o aterro sanitário possa ser pago e se torne viável para a população. O governo federal fez um relatório com toda a regionalização feita no país para que isso seja apresentado a quem queira investir”, contou. Segundo ele, já foram investidos cerca de 50 milhões de reais em planos, de todos os níveis federativos, para o descarte de resíduos. 

O que pode realmente fazer a diferença e influenciar o pensamento de governantes e empresas é mostrar que o investimento no cuidado com o meio ambiente traz retornos, conforme destacaram os painelistas. 

E os impactos positivos são bem maiores do que a gestão adequada de resíduos. “Os aterros sanitários geram o combustível do futuro. O que é descartado ali gera biometano e biogás, que podem ser fonte de renda e de energia sustentável”, exemplificou Arnaldo Jardim. Desafios locais e desigualdades regionais

A região Sudeste concentra a maior produção de lixo do país. São 38 milhões de toneladas por ano, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023, publicado pela ABREMA. Para se ter ideia, os dois principais aterros de São Paulo recebem 6 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano, o que representa um grande desafio para que a gestão pública possa conciliar o cuidado ambiental e a viabilidade econômica.

“O estado de São Paulo tem uma diversidade de realidades muito grande. Em termos de população, 70% das cidades têm menos de 30 mil habitantes. São 37 aterros particulares e 58 municipais. Toda vez que falamos de política de meio ambiente, estamos falando de política de estado”, disse Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística de São Paulo. 

“Por isso, criamos um programa para fazer regionalizações e agregar os municípios para a destinação dos resíduos, desenvolver parcerias público-privadas e incentivar a cobrança da taxa”, completou. 

Ela contou também que o estado de São Paulo tem investido na interlocução com os municípios para o planejamento de um programa concreto e que coloque a sustentabilidade como algo realmente factível. Depois de serem apresentados ao grande potencial da coleta adequada e dos aterros para a economia circular, para a sustentabilidade e para a geração de energia, 278 municípios aderiram ao programa no último ano. A questão é que esses exemplos de potencial positivo ainda não são observados em todo o país. “As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm tido mais dificuldade com as metas de gestão de resíduos. Por isso, em nossos editais temos favorecido seus estados. Da mesma forma, os menores municípios e aqueles ainda com lixões têm prioridade em nossos chamamentos para distribuição de recursos”, explicou Eduardo Rocha sobre o encaminhamento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima para que todas as regiões do país avancem. 

“Às vezes, o município precisa de assistência técnica para dar suporte à implementação de novos projetos e nós temos acordos com institutos capazes de dar essa ajuda e capacitá-los”, disse o gestor público. Desafios jurídicos e regulatórios para o tratamento de resíduos 

No segundo painel do evento, foram discutidas as principais problemáticas jurídicas e regulatórias em torno do tema. A principal delas envolve a possibilidade de realização de obras de infraestrutura em Áreas de Preservação Permanente (APPs).

Em 2018, o STF julgou a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 42 e quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade que discutiam o Novo Código Florestal. Com as mudanças nos artigos que dispõem sobre as obras de infraestrutura que podem existir em APPs, o termo “gestão de resíduos” foi retirado do rol. O tema ainda aguarda decisão definitiva pela Corte. “Os aterros sanitários, numa análise contemporânea e realista, significam um enterro dos lixões. Precisamos vê-los como um novo visual das coisas. Já temos sobre o tema uma Constituição e normas, que precisam ser conhecidas, mas tem havido sub-interpretações. A regra é boa e já é metade do caminho para as mudanças. Precisa haver estudo, boa interpretação e aplicação para que a outra metade aconteça”, disse Ayres Britto, ex-ministro do STF.

O mesmo foi defendido por Fabricio Soler, professor e advogado especialista em Direito Ambiental: “Os textos são claros e cristalinos sobre a substituição dos lixões pelos aterros, não há dúvida sobre o que deve ser feito. Normas nós temos a contento, agora falta um aplica-se, um cumpra-se. Os instrumentos normativos clamam por uma atuação intersetorial: órgãos ambientais, tribunal de contas e sociedade civil”.

Ele apontou ainda para eventuais consequências negativas caso a decisão do STF seja mantida, como, por exemplo, a não consecução de metas relacionadas ao meio ambiente, cidadania e bem-estar. “Os lixões estão todos os dias contaminando o solo e a água de milhões de brasileiros. Um país que às vésperas da COP [conferência da ONU para o Clima, cuja edição de 2025 será sediada em Belém] ainda está passando por isso tem uma fotografia do atraso”, ponderou Soler. O advogado Orlando Maia Neto, sócio da Ayres Britto Advocacia, disse que a decisão do STF gerou uma surpresa inicial, já que algumas outras atividades de infraestrutura não foram vistas do mesmo modo, como serviços públicos para transporte, energia e até mesmo mineração. 

No evento, ele explicou que foram estabelecidas três correntes de encaminhamento para a questão, com diferentes prazos para fim desses aterros ou permanência com fiscalizações. A vertente encabeçada pelo ministro Luiz Fux atribui um prazo de três anos para que todo aterro sanitário que esteja localizado em APP seja desativado.

Já a subscrita pelo ministro Alexandre de Moraes amplia o prazo para dez anos. E a terceira corrente, iniciada pelo ministro Gilmar Mendes, propõe a permissão dos aterros nestes locais, submetidos ao licenciamento ambiental.

A ação deve ser retomada no plenário físico. “Ainda não há previsão, o que gera tempo para debatermos melhor essa questão para entendermos as consequências trágicas, do ponto de vista financeiro e ambiental, de se congregar essa declaração de inconstitucionalidade”, disse o advogado.  

Superar o tema é importante para o Brasil caminhar para uma nova fase em suas políticas ambientais e de saneamento. “Os aterros sanitários foram concebidos para que se tivesse garantia absoluta de que o solo, todas as superfícies da base do aterro e a água dos lençóis freáticos sejam protegidos”, explicou Luis Sergio Akira Kaimoto, consultor do Banco Mundial e professor da Escola Superior da CETESB.

Ele pontuou que essa infraestrutura é um instrumento para proteção das APPs, para que os lixões deixem de contaminar o ambiente de forma difusa. “Além disso, tudo que é coletado dos aterros é enviado para tratamento: líquidos e gases. Esse gás, que poderia estar contaminando o ar, é totalmente captado e gera energia elétrica e biometano, ambos limpos e renováveis. Todo esse processo de um aterro muito bem operado gera um bônus ambiental inegável”, afirmou.

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