terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Fim da educação indígena presencial é ato de esvaziar territórios no Pará

 


Via Amazonia Real por Ismael Machado

Jovens indígenas podem deixar suas comunidades, o que enfraquecerá terras indígenas, alvo de invasões do agronegócio e mineração. Lideranças que ocupam a Seduc, há uma semana, querem a revogação de lei sancionada por Helder Barbalho. (Foto de Kleyton Silva/Amazônia Real)

Belém (PA) – Lideranças indígenas no estado do Pará apontam que o recente e controverso episódio em que o governador Helder Barbalho (MDB) sinalizou – ainda que indiretamente – com o fim do Sistema Organização Modular de Ensino (Some) e do Somei (que atende aos povos indígenas), introduzindo um sistema de Educação à Distância, virtual, faz parte de uma estratégia política de esvaziamento dos territórios, condizente com outras ações de enfraquecimento do ‘espaço’ para esses povos, como o avanço do agronegócio, de mineradoras (clandestinas ou não) e poluição de rios com mercúrio. 

“Tudo isso está interligado”, afirma a arte-educadora Kauacy Wajãpi, conselheira de Cultura Indígena do Estado do Pará. “Essa lei (10.820/2024) tem um pouco desse contexto, porque se não há instrução num local, o que se vai buscar é um novo espaço onde se encontre essa instrução. Na prática o que vai ocorrer é que muitos dos jovens indígenas saiam de sua comunidade e busquem as cidades. Isso vai enfraquecendo o território. Já tiraram as terras, a mata, os rios estão contaminados. A educação entra neste mesmo contexto”, avalia. 

É por conta disso que diversas manifestações, lideradas por variadas comunidades indígenas, estão sendo realizadas desde o dia 14 de janeiro em vários pontos do estado contra a Lei nº 10.820/2024, sancionada por Helder Barbalho no final de dezembro de 2024 sob protestos de servidores públicos contra o que classificaram como um desmonte na Educação. 

Essa legislação extingue o Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (Somei), responsável por levar ensino médio presencial às comunidades indígenas, substituindo-o por um modelo de ensino à distância através do Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep).

Os manifestantes pedem a permanência do Some, programa que garante ensino médio presencial em comunidades distantes- não só indígenas- onde historicamente há pouca infraestrutura, por meio de uma parceria entre o município e o governo estadual.

As ações tiveram início há uma semana, quando lideranças indígenas de todo o estado ocuparam a sede da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc), em Belém, em manifestação contra a conversão de aulas presenciais em on-line e contra a precarização do modelo presencial. No espaço, os manifestantes ataram redes para permanecerem na sede. O protesto envolve lideranças dos povos Sateré-Mawé, Wai Wai, Munduruku, Arapiuns, Borari, Jaraqui e Guarani. Durante a semana o que se viu foi uma intensa queda de braço entre o governo Helder Barbalho e os manifestantes indígenas. 

Ao ocuparem a sede da Seduc, os manifestantes sentiram o peso da intransigência governamental. Portões foram trancados e denúncias feitas sobre corte de energia elétrica e não disponibilização de acesso a coisas elementares como água e comida. Jornalistas não podiam entrar no espaço, impedidos por soldados da Polícia Militar. Advogados que pretendiam fazer o atendimento aos indígenas também tiveram acesso negado. Foi preciso uma liminar judicial para a liberação de entrada desses profissionais.  

“Essa lei foi um golpe para a educação do Estado do Pará. E aí, logicamente, atinge a educação escolar indígena, não só indígena, como a quilombola, a de ribeirinhos, enfim, dos povos tradicionais, que dependem desse sistema modular de educação”, acusa Auricélia Arapiuns, presidenta do Conselho Deliberativo da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e coordenadora do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA) desde 2018. O CITA representa sociopoliticamente 14 povos da região Baixo Rio Tapajós. Leia mais 

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