quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O Caso do Advogado Gabriel Pimenta - Após anos de impunidade, OEA julga crimes cometidos na Amazônia


Gabriel Pimenta
Após anos de impunidade, OEA julga crimes cometidos na Amazônia

O último a ser aceito pela organização foi o assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta. Segundo organizações, mais de dez estão sendo analisados no âmbito internacional e 90 aguardam pela punição de seus responsáveis no Brasil.
Thais Iervolino

Gabriel durante reunião sindicalista
Depois de quase 27 anos do assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta e de impunidade por parte do governo Brasileiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) - órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), admitiu o caso contra o Estado Brasileiro.

A intervenção da entidade internacional frente ao caso é uma conquista de organizações da sociedade civil que há anos vem denunciando crimes contra os Direitos Humanos praticados na Amazônia. "O Gabriel na época era um defensor muito conhecido no Estado. Além da relevância do caso, há uma dívida histórica pelo trabalho dele em relação à impunidade. O trabalho que ele desenvolveu e a forma como ocorreu o assassinado merecia uma resposta que não teve [por parte do governo brasileiro]", conta Helena Rocha, advogada do Centro pela Justiça e Direito Internacional.

O crime, acontecido em Marabá no ano de 1982, é mais um exemplo de injustiça e desrespeito aos Direitos Humanos que acorre na região Amazônica. "O processo do Gabriel pimenta é um caso típico da atuação da Justiça do Estado do Pará em relação aos crimes do campo. Os réus foram identificados, com endereços certos e mesmo depois de 23 anos a justiça não conseguiu concluir o processo e levar os responsáveis ao julgamento. É um retrato da situação da maioria dos outros processos de assassinatos do campo", diz o advogado José Batista, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Representante legal do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Marabá e sócio fundador da Associação Nacional dos Advogados dos Trabalhadores da Agricultura na época, Gabriel Sales Pimenta foi o primeiro advogado da história de Marabá a conseguir cassar, no Tribunal de Justiça do Pará, uma liminar "ilegal e abusiva" da Comarca de Marabá que havia permitido a expulsão das 158 famílias das terras de "Pau Seco". Desta forma conseguindo a reintegração de todas elas ao lote.

Sindicalistas fazem manifestação logo após o assassinato do advogado.

Essa conquista, no entanto, rendeu ao advogado várias ameaças de morte e, posteriormente, seu assassinato - no dia 18 de julho de 1982. O mandante do crime, Manoel Cardoso Neto, mais conhecido como Nelito, era o fazendeiro que se autodenominava proprietário de "Pau Seco". Crescêncio Oliveira de Sousa foi o executor do assassinato e, Pereira da Nóbrega (Marinheiro), o intermediário.
Processo A tramitação do processo criminal iniciou-se em 1983 e se arrastou por 23 anos, sem nenhum dos acusados irem a júri popular. Em 2006, após a prisão de Nelito, que estava foragido, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará decretou a extinção do processo em razão de prescrição.

O acusado de ser o executor do crime foi excluído do processo pela justiça brasileira. O intermediário faleceu no final da década de 1990. Restou então o acusado de ser o mandante do crime, o Nelito que foi liberto devido a não conclusão do julgamento. "A última informação que soubemos é que ele vive tranqüilamente em Minas Gerais, já que o crime foi prescrito", conta Batista.
O mesmo ano da prescrição do processo, o Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) da diocese de Marabá apresentaram uma denúncia à OEA que, em outubro de 2008, admitiu o caso.
Segundo o Relatório de admissibilidade da CIDH, a comissão referiu-se à "falta de diligência" do Estado Brasileiro "em investigar de modo eficaz" os fatos do caso do assassinato de Gabriel Sales Pimenta e "punir os responsáveis por esse crime". Da mesma forma foi "relevada a suposta falta de prevenção da privação da vida da vítima", tendo sido "motivada por suas atividades como líder sindical".
Essa é a primeira fase no trâmite internacional. Segundo Helena, nela são analisados todos os itens formais e materiais para que o caso seja avaliado pela comissão. "Não é ainda uma condenação, é uma decisão mais administrativa - significa que eles aceitaram [a denúncia]", explica ela. Para ela não há uma data definida para a conclusão do caso. "Se fosse para colocar uma média, duraria uns cinco anos. Como já foram dois, acredito que ainda faltam três anos".
Batista já é mais otimista. "Esperamos finalizar o caso até o fim deste ano. Antes de uma decisão de mérito, pode-se haver uma audiência para chegar a algum acordo", diz.
Quase mil outros casos Infelizmente, os assassinos de crimes semelhantes a esses nessa região seguem impunes. Segundo a CPT, em 40 anos, houve cerca de 900 assassinatos do campo no Pará. Destes, aproximadamente 90 processos estão sendo tramitados nas comarcas do Estado.
Apesar da grande quantidade de crimes, segundo o advogado da CPT, são poucos os processos que estão tramitando na justiça com possibilidade de condenação dos responsáveis. "Em média, 70% dos casos não há sequer inquérito apurando a morte. Ou seja, ficaram totalmente impunes. A maioria deles possui mais de dez anos e vai possivelmente prescrever", revela.
Para Batista, o caso da irmã Dorothy Stang, assassinada em Anapu (PA), é um caso atípico. "Só houve a celeridade deste caso específico por causa da pressão nacional e internacional. Em geral, a regra é a impunidade, uma morosidade quase que total da justiça. Isso faz com que os responsáveis pelos crimes continuem livres para cometer outros crimes, na medida em que eles não sofrem punição por aquilo que fizeram".
Atualmente, há mais de cem casos na OEA contra o Estado brasileiro. Destes, a Cejil monitora 13 na região amazônica.
O caso do trabalhador José Pereira, do Sul do Pará, foi um deles. Pereira foi protagonista no primeiro caso de denúncia referente ao trabalho escravo no Brasil, que resultou na condenação do governo brasileiro. Outros processos já tiveram o mesmo julgamento internacional: o assassinato do índio macuxi Ovelário Tames, em 1988, e o episódio da Fazenda Ubá, quando trabalhadores rurais tiveram suas casas queimadas e foram brutalmente assassinados por pistoleiros. "Apesar da condenação, em geral, o cumprimento das medidas por parte do governo brasileiro não é feito", adverte Helena.
Casos emblemáticos, como o da chacina em Eldorado dos Carajás (PA), na década de 1990, ainda aguardam julgamento da OEA. Helena acredita que pelo menos mais um caso de violação dos Direitos Humanos ocorrido na Amazônia pode ser levado à OEA. Para este ano, a CPT pretende denunciar mais três casos à organização. São eles:
Chacina Goianésia - morte de três trabalhadores rurais na cidade de Goianésia (PA), em 1987. O processo do crime, entretanto, desapareceu do Fórum

Sindicalista
Assassinato de Arnaldo Delcídio - Arnaldo Delcídio era presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Eldorado dos Carajás, quando foi morto em 1993. O processo do crime, segundo a CPT, encontra-se totalmente parado.
Assassinato de Ribamar - Ribamar foi outro trabalhador rural que morreu assassinado por conflitos no campo, em Rondon do Pará. Seu caso, no entanto nem teve processo iniciado.
PEC 438 Para diminuir o caos fundiário, Helena defende a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438. Conhecida como PEC do trabalho escravo, a proposta pede uma nova redação ao Art. 243 da Constituição Federal, que trata do confisco de propriedades em que forem encontradas lavouras de plantas psicotrópicas ilegais, como a maconha.
A nova proposta estende a expropriação - sem direito à indenização - também para casos de exploração de mão-de-obra análoga à escravidão. A PEC 438/2001 define ainda que as propriedades confiscadas sejam destinadas ao assentamento de famílias como parte do programa de reforma agrária. "Ela entrou na pauta do Congresso no ano passado, mas foi retirada", diz Helena.
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Um comentário:

EDUARDOBUERES disse...

Rui Barbosa gostava sempre de citar que: 'Justiça, quando atrasada, não passa de injustiça'.Concordamos,mas, ainda assim é revigorante saber que existem pessoas que não merecem serem esquecidas.Parabens a todos os envolvidos neste esforço.

Eduardo Bueres