Deu no blog do Nassif
As instituições que são a base de uma sociedade democrática avançaram muito desde a Constituição de 1988, mas esse avanço não tem correspondido a igual salto de qualidade dos partidos políticos e, em consequência e ironicamente, das instituições cuja composição depende do voto direto. Para alguns setores da sociedade, isso justifica discursos autoritários, de ataques ao Legislativo, como se naquele poder, que se pretende a síntese da diversidade política de uma Nação, residissem todos os males. Para outros setores, engajados na luta democrática mas fora do poder, essa seria uma distorção pontual, ligada ao partido que eventualmente ocupa o poder pelo voto direto, que pode ser resolvida quando ocorrer uma mudança também pelo voto. E, enfim, para os partidos que estão no poder, é uma situação dada, impossível de ser alterada pelas regras vigentes, que deve ser contornada com as armas disponíveis em nome da governabilidade.
Um primeiro elemento que deve pesar na análise sobre essa realidade é o fato de os partidos atuais serem relativamente jovens. A ditadura de 1964 extinguiu todos os partidos do quadro partidário em 1966, instituiu o bipartidarismo – um partido a favor da chamada “Revolução” que foi golpe militar, outro teoricamente contra – e o regime apenas veio permitir a reorganização pluripartidária em 1979. Dois partidos saíram da costela do bipartidarismo; outros vieram a se formar a partir de 1980. Portanto, 20 anos separam o país de hoje do início da formação do atual quadro partidário. É pouco tempo perto do que dispuseram os quadros partidários dos países de democracia mais consolidada.
Outro dado importante é que, por opção constituinte, o país faz uma trajetória democrática multipartidária. Há ampla liberdade de organização partidária – isso é bom, na medida em que garante a representação de todos os setores da sociedade; tem, contudo, o efeito colateral de fragmentar o voto e a decisão legislativa, com aumento do poder de negociação de partidos de negócios e políticos de ocasião.
O que se imagina é que o amadurecimento do sistema partidário naturalmente reduza a participação dos piratas da democracia no processo político. Em anos eleitorais, todavia, evidencia-se uma tendência com sinal trocado: é como se ocorresse a expulsão, da política institucional, de quadros que seriam valiosos para a sua depuração. É uma seleção natural às avessas.
Alguns impasses que têm se tornado constantes na vida parlamentar – e na sua relação direta com a vida partidária – remetem a fatores que têm sido impeditivos de uma profilaxia da vida política. Um dos grandes atrativos para o ingresso na política de setores não comprometidos com a militância propriamente ideológica – palavra usada no sentido positivo, de representação de setores sociais, não da forma negativa como é explorada em discursos eleitorais – é o foro privilegiado por prerrogativa de função. O Congresso tornou-se um chamariz para pessoas que respondem à Justiça e o mandato parlamentar, um instrumento de protelação do julgamento e da punição criminal. A seleção também tem funcionado ao contrário devido aos altos custos de campanha – que levam para o Congresso pessoas com poder econômico pessoal ou grande capacidade de captação financeira, ou ainda enorme vínculo com setores econômicos. Furam esse bloqueio os políticos com vínculos mais orgânicos com seus partidos e eleitores – mas, ainda que essa última possibilidade seja uma delas, os outros fatores criam barreiras de acesso a pessoas que poderiam qualificar a política e fazer uma seleção natural “do bem”.
Se a esses fatores são acrescidos usos e costumes das disputas eleitorais, o quadro fica mais pessimista. Todo o poder de barganha de políticos e partidos de ocasião começa agora, nesse período que precede o início oficial de campanha eleitoral, e se torna cada vez maior quanto mais se aproximam os prazos fatais, definidos pela legislação, para definir coligações. A forma como se define o tempo de horário eleitoral gratuito dá enorme potencial de negociação (no mau sentido) às pequenas legendas. Um tempo menor ou maior de horário eleitoral é definido pelo passado – o tamanho da bancada do partido no Legislativo – e pela capacidade de cooptação dos pequenos, que têm um mínimo garantido por lei, desde que tenham representação no Legislativo. A regra não facilita a mudança, mas a manutenção do status quo.
Na negociação do horário eleitoral para cargos majoritários, as pequenas legendas já entram com a exigência de coligação também nas eleições proporcionais. Por esse instrumento, o pequeno partido se associa a um maior também na disputa para os cargos legislativos. O cômputo do quociente eleitoral – mínimo legal para um partido ter representação parlamentar – é feito, nesse caso, com base na soma dos votos dados às siglas coligadas nas eleições proporcionais.
Essa é uma completa distorção da legislação eleitoral: pequenas legendas sem correspondência ideológica na sociedade, que seriam varridas do mapa se fossem sozinhas disputar uma eleição proporcional, permanecem no quadro partidário por meio desse recurso. Não conseguiriam atingir o quociente sós, mas superam o problema coligadas. E, com a mínima bancada que conseguem por esse expediente, negociam apoios e, mais à frente, privilégios para ceder tempo de horário gratuito – um círculo destinado a manter as coisas no mesmo lugar (na melhor das hipóteses).
Existem muitas outras variáveis nessa história, mas o certo é que as regras partidárias e eleitorais têm servido para aumentar o poder de barganha (no mau sentido) e dificultar o ingresso no sistema político institucional de uma representação não vinculada a grandes interesses. Seria uma boa experiência para o processo partidário ao menos abolir duas possibilidades de barganha, definindo regras que inibam a negociação (no mau sentido) de coligações com o objetivo de aumentar o horário eleitoral gratuito dos candidatos a cargos majoritários e a proibição de coligação proporcional.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras no Blog do Nassif
Um primeiro elemento que deve pesar na análise sobre essa realidade é o fato de os partidos atuais serem relativamente jovens. A ditadura de 1964 extinguiu todos os partidos do quadro partidário em 1966, instituiu o bipartidarismo – um partido a favor da chamada “Revolução” que foi golpe militar, outro teoricamente contra – e o regime apenas veio permitir a reorganização pluripartidária em 1979. Dois partidos saíram da costela do bipartidarismo; outros vieram a se formar a partir de 1980. Portanto, 20 anos separam o país de hoje do início da formação do atual quadro partidário. É pouco tempo perto do que dispuseram os quadros partidários dos países de democracia mais consolidada.
Outro dado importante é que, por opção constituinte, o país faz uma trajetória democrática multipartidária. Há ampla liberdade de organização partidária – isso é bom, na medida em que garante a representação de todos os setores da sociedade; tem, contudo, o efeito colateral de fragmentar o voto e a decisão legislativa, com aumento do poder de negociação de partidos de negócios e políticos de ocasião.
O que se imagina é que o amadurecimento do sistema partidário naturalmente reduza a participação dos piratas da democracia no processo político. Em anos eleitorais, todavia, evidencia-se uma tendência com sinal trocado: é como se ocorresse a expulsão, da política institucional, de quadros que seriam valiosos para a sua depuração. É uma seleção natural às avessas.
Alguns impasses que têm se tornado constantes na vida parlamentar – e na sua relação direta com a vida partidária – remetem a fatores que têm sido impeditivos de uma profilaxia da vida política. Um dos grandes atrativos para o ingresso na política de setores não comprometidos com a militância propriamente ideológica – palavra usada no sentido positivo, de representação de setores sociais, não da forma negativa como é explorada em discursos eleitorais – é o foro privilegiado por prerrogativa de função. O Congresso tornou-se um chamariz para pessoas que respondem à Justiça e o mandato parlamentar, um instrumento de protelação do julgamento e da punição criminal. A seleção também tem funcionado ao contrário devido aos altos custos de campanha – que levam para o Congresso pessoas com poder econômico pessoal ou grande capacidade de captação financeira, ou ainda enorme vínculo com setores econômicos. Furam esse bloqueio os políticos com vínculos mais orgânicos com seus partidos e eleitores – mas, ainda que essa última possibilidade seja uma delas, os outros fatores criam barreiras de acesso a pessoas que poderiam qualificar a política e fazer uma seleção natural “do bem”.
Se a esses fatores são acrescidos usos e costumes das disputas eleitorais, o quadro fica mais pessimista. Todo o poder de barganha de políticos e partidos de ocasião começa agora, nesse período que precede o início oficial de campanha eleitoral, e se torna cada vez maior quanto mais se aproximam os prazos fatais, definidos pela legislação, para definir coligações. A forma como se define o tempo de horário eleitoral gratuito dá enorme potencial de negociação (no mau sentido) às pequenas legendas. Um tempo menor ou maior de horário eleitoral é definido pelo passado – o tamanho da bancada do partido no Legislativo – e pela capacidade de cooptação dos pequenos, que têm um mínimo garantido por lei, desde que tenham representação no Legislativo. A regra não facilita a mudança, mas a manutenção do status quo.
Na negociação do horário eleitoral para cargos majoritários, as pequenas legendas já entram com a exigência de coligação também nas eleições proporcionais. Por esse instrumento, o pequeno partido se associa a um maior também na disputa para os cargos legislativos. O cômputo do quociente eleitoral – mínimo legal para um partido ter representação parlamentar – é feito, nesse caso, com base na soma dos votos dados às siglas coligadas nas eleições proporcionais.
Essa é uma completa distorção da legislação eleitoral: pequenas legendas sem correspondência ideológica na sociedade, que seriam varridas do mapa se fossem sozinhas disputar uma eleição proporcional, permanecem no quadro partidário por meio desse recurso. Não conseguiriam atingir o quociente sós, mas superam o problema coligadas. E, com a mínima bancada que conseguem por esse expediente, negociam apoios e, mais à frente, privilégios para ceder tempo de horário gratuito – um círculo destinado a manter as coisas no mesmo lugar (na melhor das hipóteses).
Existem muitas outras variáveis nessa história, mas o certo é que as regras partidárias e eleitorais têm servido para aumentar o poder de barganha (no mau sentido) e dificultar o ingresso no sistema político institucional de uma representação não vinculada a grandes interesses. Seria uma boa experiência para o processo partidário ao menos abolir duas possibilidades de barganha, definindo regras que inibam a negociação (no mau sentido) de coligações com o objetivo de aumentar o horário eleitoral gratuito dos candidatos a cargos majoritários e a proibição de coligação proporcional.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras no Blog do Nassif
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