1ª Parte: Entrevista exclusiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, à revista IstoÉ no Centro Cultural Banco do Brasil, Agosto de 2010
Jornalista: Presidente, nossa ideia, com esta entrevista é dividi-la em dois blocos se possível, quer dizer, tem esse plano internacional, que eu até falava com o Franklin aqui, e nós... até a revista IstoÉ acredita muito nesse protagonismo que tem sido trabalhado no seu governo, e a gente quer falar disso um pouco também. Mas, naturalmente, queremos falar também no plano interno, quer dizer, a outra... bloco da entrevista, queremos começar por ela, o bloco interno que, naturalmente, estamos falando de... um balanço seu, de uma sucessão... estamos falando da sucessão e estamos falando também do pós, do seu pós. E aí eu queria começar... não sei se... a gente está gravando já?
Jornalista: Presidente, nossa ideia, com esta entrevista é dividi-la em dois blocos se possível, quer dizer, tem esse plano internacional, que eu até falava com o Franklin aqui, e nós... até a revista IstoÉ acredita muito nesse protagonismo que tem sido trabalhado no seu governo, e a gente quer falar disso um pouco também. Mas, naturalmente, queremos falar também no plano interno, quer dizer, a outra... bloco da entrevista, queremos começar por ela, o bloco interno que, naturalmente, estamos falando de... um balanço seu, de uma sucessão... estamos falando da sucessão e estamos falando também do pós, do seu pós. E aí eu queria começar... não sei se... a gente está gravando já?
Estou gravando.
Jornalista: Queria começar falando justamente... no início, assim, quer dizer... o senhor, certamente, hoje já dá para a gente dizer que provavelmente sai como o presidente mais popular da história do país. A sua aprovação, quase 80% de ótimo e bom, e mais outros 17% regular, leva quase a uma unanimidade. Eu acho que todo brasileiro quer saber: como é que o senhor pensa em administrar esse patrimônio, logo depois que deixar o governo? Como é que o senhor segue com esse patrimônio?
Presidente: Bem, primeiro, eu queria só dizer para vocês o seguinte. Vamos fazer uma entrevista em que não tenha... que vocês não tenham nenhuma preocupação de fazer qualquer pergunta...
Jornalista: Muito obrigado.
Presidente: ...por mais inconveniente que seja.
Jornalista: Obrigado. Total liberdade.
Presidente: Não existe... vamos adotar aqui “é proibido proibir”.
Jornalista: Muito bom.
Presidente: Segundo, dizer para vocês que eu não estou pensando isso ainda. Eu tenho me recusado a discutir o que eu vou fazer e como vou fazer depois que eu deixar o mandato, porque eu não sei o que eu vou sentir.
Jornalista: Mas o senhor já não começou a sentir?
Presidente: O meu medo, o meu medo é tomar uma atitude precipitada do que eu vou fazer, montar alguma coisa, e depois de seis meses eu descobrir que não era aquilo...
Jornalista: Se arrepender.
Presidente: ...que eu queria fazer. Então, eu acho que quem deixa um mandato como eu vou deixar, numa situação, graças a Deus, muito confortável, tem que dar um tempo de maturação. Eu preciso de um tempo, quem sabe, quatro, cinco ou seis meses. Tem que deixar a Dilma construir o governo que seja a cara dela, do jeito dela, e eu ficar no meu canto curtindo...
Jornalista: Quase um sabático.
Presidente: ...o fato... curtindo o fato de ter sido ex-presidente da República. Depois disso, então...
Jornalista: Mas isso é possível, Presidente?
Presidente: É possível, é possível, é possível. O problema é que nós precisamos nos educar. Eu tenho um pouquinho de educação porque eu fui o dirigente sindical mais importante do Brasil e um belo dia eu acordei na cadeia, sem ser nada. Eu tive que viver um ano fora do Sindicato, eu tive que liderar a minha categoria sem ser dirigente sindical. Elegemos o Meneguelli presidente do Sindicato, e eu só ia ao Sindicato quando o Meneguelli me convidava, que era para deixar ele exercer a função dele, de presidente. Quando nós colocamos o José Dirceu na presidência do PT, eu passei seis meses sem ir à sede do PT, para deixar o José Dirceu exercer a presidência dele porque, senão, fica uma coisa muito desagradável.
Jornalista: Não, não há dúvida. Agora o senhor (incompreensível) ...
Presidente: O Felipe González me contou uma história que eu faço questão de repetir: ex-presidente é que nem aqueles vasos chineses que você ganha de presente; você não sabe onde colocar um ex-presidente. Ele passa a ser incômodo, se ele não se tocar que ele é ex-presidente.
Jornalista: Não, mas dado esse período que o senhor vai...
Presidente: Então, eu, eu deixa eu completar... então, essa é a parte... essa é a parte mais séria da história. Eu quero dar um tempo maior no que eu vou fazer.
Jornalista: Claro.
Presidente: O que eu pretendo fazer? Veja: o acúmulo de acertos nas políticas sociais que nós tivemos no Brasil precisa ser socializado.
Jornalista: Isso, na prática...
Presidente: E eu quero socializá-las com quem? Eu quero socializá-las com os países da América do Sul e da América Latina, quero socializá-las com os países do Caribe, quero socializá-las com os países africanos – eu já tenho muitos convites de países africanos para ir lá mostrar a ideia, o que nós fizemos. Mas ir lá com tempo de ir a campo.
Jornalista: Então, já é real a história que o senhor vai fazer aquelas caravanas internacionais, nos moldes da...
Presidente: Já é real, eu não sei se caravana como eu fazia aqui, porque... mas é real que eu pretendo construir uma equipe de companheiros que acumularam oito anos de experiência no governo e 30 anos de experiência enquanto oposição, para que a gente tente colocar em prática, junto aos governantes dos países mais pobres, as condições de eles terem uma política de desenvolvimento social.
Jornalista: Não há necessidade de ter um cargo para isso? Um cargo tipo presidente do Banco Mundial, não é necessário?
Presidente: Não, não, não é necessário ter cargo para isso. Aí é só vontade política.
Jornalista: Mas essa possibilidade existe no ar, não é? Vários outros governantes também, internacionais, falam da possibilidade de pensar no senhor em um organismo multilateral.
Presidente: Deixa... Essa é outra coisa que eu tenho muito em conta, veja. Tem companheiros que falam: “Olha, Lula, você... é preciso ir para a ONU”. Eu tenho uma ideia diferente: eu acho que a ONU é uma instituição que tem ser dirigida por um burocrata, que tenha consciência de que ele é subordinado aos presidentes dos países, porque se você coloca alguém lá que, por coincidência, tenha mais força que alguns presidentes, fica, no mínimo, uma anomalia. Você fica com uma instituição criada para servir os países, com gente mandando mais... Aí, imagine se a moda pega e os ex-presidentes americanos resolvem ser secretários-gerais da ONU! Não dá certo!
Jornalista: Mas o senhor recusaria um convite nessa função?
Presidente: Eu recusaria, eu recusaria.
Jornalista: O senhor faria...
Presidente: Eu recusaria essas coisas de Banco Mundial, eu recusaria. Veja, eu tenho consciência do seguinte: eu tenho 64 anos. Quando eu deixar a Presidência eu vou ter 65 anos, eu ainda tenho muita contribuição para dar, ainda tenho muita contribuição para dar ao país. Eu sonho na construção de uma frente ampla no Brasil, juntar forças políticas aqui, construir um programa comum, fazer reforma partidária, que eu acho que é condição sine qua non para a gente poder mudar em definitivo o Brasil. Nós temos que ter uma reforma partidária, e isso não é coisa, não é coisa de presidente da República, isso é coisa dos partidos políticos. E eu pretendo, de fora, ajudar o meu partido a organizar, com os outros partidos políticos, a ideia da reforma política.
Jornalista: O projeto de um instituto para irradiar essas ideias também está em...
Presidente: Também, também está em conta. Mas eu agora, eu agora estou com a minha cabeça mais voltada para o seguinte: eu tenho mais cinco meses de governo, tem muita coisa para acontecer ainda...
Jornalista: Para as caravanas não precisa ter...
Presidente: ...e tudo o que eu tenho medo, sabe do que eu tenho medo? Eu sou muito amante do futebol. E tudo que eu tenho medo e que eu jamais faria como técnico é marcar um gol e correr para a retranca e ficar esperando o adversário vir para cima de mim. Então, eu tenho cinco meses de muito trabalho pela frente, eu quero trabalhar até o dia 31 de dezembro. Eu tenho agenda no dia 29 de dezembro, já tenho agenda para o dia 28 de dezembro. Eu quero ter agenda até o último dia de trabalho. O dia em que eu entregar a faixa para quem seja eleito presidente da República, aí sim, eu vou ter 30 dias de descanso.
Jornalista: Presidente, pelo jeito o senhor vai entregar a faixa, pelo menos pelas pesquisas hoje, para a ex-ministra Dilma Rousseff. O senhor trabalhou, vem trabalhando nesse sentido, e as pesquisas mostram que isso está se tornando cada vez mais viável. A que o senhor atribui... atribuiria, no caso de uma vitória dela, o êxito dela? Quer dizer, foi o empenho do senhor, é o perfil dela, é o fato de, pela primeira vez, se ter uma mulher com grandes chances de ser presidente da República? A que o senhor atribui essa...
Presidente: Veja, eu acho que tem um conjunto de valores. Veja, primeiro, eu preciso ter muita humildade para pedir para o povo votar na Dilma. O voto é um direito livre e soberano de cada cidadão. Mas como eu passei por aqui oito anos e sei como é que funciona isso, eu me sinto na obrigação de dizer ao povo quem eu entendo que poderia dar continuidade àquilo que nós estamos fazendo. Essa é a primeira coisa que eu tenho que ter todo o cuidado. A segunda coisa é o seguinte: um governo que tem 76% de bom e ótimo nos últimos cinco meses de mandato, um presidente da República que tem 86% de bom e ótimo, e se colocar regular dá 90% e...
Jornalista: É a unanimidade, Presidente.
Presidente: ...em alguns estados, 98%, em alguns estados, 97%. Ora, é um governo com fortes possibilidades de fazer a sucessão, fortes possibilidades. Tem uma aliança política muito forte, tem muitos candidatos a governador apoiando a ministra Dilma. Ela está muito bem preparada, não tem, hoje, no Brasil ninguém mais preparado do que a Dilma, do ponto de vista de ter o Brasil na cabeça, de ter as coisas na cabeça. É por isso...
Jornalista: Mas enquanto candidata, o senhor construiu ela do zero, não é, Presidente?
Presidente: Mas é por isso que nós preparamos o PAC2, porque eu poderia deixar para ela preparar em janeiro, como eu fiz no PAC1. Acontece que como nós já tínhamos a experiência do PAC1, eu resolvi fazer o PAC2... Vamos supor que ganhe o Félix, vamos supor, e ele não quer o PAC, ele não quer o PAC, ele faz outra coisa que ele quiser. Mas o que eu quis, na verdade, foi, primeiro, definir as obras prioritárias para o Brasil com os governadores e prefeitos, para a gente colocar dinheiro, tanto no orçamento quanto na LDO. Então, quem começar a governar não vai ter que encher a bola. A bola vai estar cheia e o cara pode começar jogando. Então, eu acho que a Dilma está extremamente preparada, madura politicamente, e eu acho que a vantagem da Dilma é a seguinte: é porque ela não tinha pretensão,...
Jornalista: Conversamos com ela lá na editora.
Presidente: ...e pelo fato de não ter pretensão, eu acho que jamais passou pela cabeça da Dilma.
Jornalista: Pelo menos no que ela... Eu disse: quando a senhora soube disso? Porque conversamos com ela lá, e ela foi surpreendida.
Presidente: Acho que jamais passou pela cabeça da Dilma...
Jornalista: A escolha.
Presidente: ...que ela fosse ser escolhida presidente... candidata a presidente da República.
Jornalista: E na sua cabeça, o primeiro momento...
Presidente: E eu escolhi...
Jornalista: É, qual foi o primeiro momento dessa escolha?
Presidente: O primeiro momento que me veio na cabeça foi quando eu, na Favela da Rocinha, eu disse que ela era a mãe do PAC. Ali, na verdade, eu estava começando a preparar...
Jornalista: O senhor já foi a fim de dizer isso ou...
Presidente: Não, não.
Jornalista: ...ou foi um insight?
Jornalista: Ou saiu?
Presidente: Na hora, na hora...
Jornalista: Foi na hora.
Jornalista: Saiu.
Presidente: Em função do clima, eu, na hora, eu falei: bom, eu vou... E foi uma coisa importante naquele momento.
Jornalista: Sabe o que é curioso, Presidente? É que todo mundo dizia e diz ainda hoje, por exemplo, que a Marina Silva é o Lula de saias, sempre pelo histórico, pela trajetória, pela luta de vida, enfim, é uma ministra do seu governo. Por que a Marina não foi a sua escolha, por exemplo?
Presidente: Olha, porque... deixa eu lhe falar uma coisa. Quando a gente vai escolher alguém para ser presidente da República, você tem que ter alguém que tenha um acúmulo de qualidades e não apenas um pouco de qualidades. A Marina é minha companheira de 30 anos. Vocês jamais ouvirão da minha boca alguma palavra que possa falar uma vírgula mal da Marina. A Marina, um ano antes de deixar o governo, pediu demissão. Eu não aceitei a demissão dela por conta da Dilma Rousseff. A Dilma Rousseff e o Gilberto Carvalho é que pediram para mim: “Olha, é melhor convencê-la a ficar”, e ela ficou mais um ano comigo, até que ela quis sair. Eu... até hoje ela não me explicou porque saiu do PT, eu também não fui tomar satisfação de por que ela saiu do PT.
Jornalista: Mas faltou a ela alguma coisa para o senhor... não ser a sua escolha.
Presidente: Agora, agora, veja... Não, é que tinha outros companheiros que pensavam em ser candidatos.
Jornalista: Antes da Dilma, o senhor chegou a pensar em outros nomes, dentro do primeiro mandato. Quer dizer, no primeiro mandato, tinha os nomes fortes como o Palocci, o Zé...
Presidente: Veja, obviamente que se não tivesse acontecido com o PT o que aconteceu em 2005, o quadro político poderia ser outro, obviamente que poderia ser outro. Mas a Dilma, quando ela veio para a Casa Civil... Eu já contei para vocês que a Dilma foi escolhido ministra de Minas e Energia por conta de uma reunião que eu estava fazendo em São Paulo, preparando 2002. Quando ela chegou, depois de uma hora de reunião, eu falei: É a minha ministra! Tanto é que o Zé Dirceu já tinha feito acordo com o PMDB, para o PMDB...
Jornalista: Queria começar falando justamente... no início, assim, quer dizer... o senhor, certamente, hoje já dá para a gente dizer que provavelmente sai como o presidente mais popular da história do país. A sua aprovação, quase 80% de ótimo e bom, e mais outros 17% regular, leva quase a uma unanimidade. Eu acho que todo brasileiro quer saber: como é que o senhor pensa em administrar esse patrimônio, logo depois que deixar o governo? Como é que o senhor segue com esse patrimônio?
Presidente: Bem, primeiro, eu queria só dizer para vocês o seguinte. Vamos fazer uma entrevista em que não tenha... que vocês não tenham nenhuma preocupação de fazer qualquer pergunta...
Jornalista: Muito obrigado.
Presidente: ...por mais inconveniente que seja.
Jornalista: Obrigado. Total liberdade.
Presidente: Não existe... vamos adotar aqui “é proibido proibir”.
Jornalista: Muito bom.
Presidente: Segundo, dizer para vocês que eu não estou pensando isso ainda. Eu tenho me recusado a discutir o que eu vou fazer e como vou fazer depois que eu deixar o mandato, porque eu não sei o que eu vou sentir.
Jornalista: Mas o senhor já não começou a sentir?
Presidente: O meu medo, o meu medo é tomar uma atitude precipitada do que eu vou fazer, montar alguma coisa, e depois de seis meses eu descobrir que não era aquilo...
Jornalista: Se arrepender.
Presidente: ...que eu queria fazer. Então, eu acho que quem deixa um mandato como eu vou deixar, numa situação, graças a Deus, muito confortável, tem que dar um tempo de maturação. Eu preciso de um tempo, quem sabe, quatro, cinco ou seis meses. Tem que deixar a Dilma construir o governo que seja a cara dela, do jeito dela, e eu ficar no meu canto curtindo...
Jornalista: Quase um sabático.
Presidente: ...o fato... curtindo o fato de ter sido ex-presidente da República. Depois disso, então...
Jornalista: Mas isso é possível, Presidente?
Presidente: É possível, é possível, é possível. O problema é que nós precisamos nos educar. Eu tenho um pouquinho de educação porque eu fui o dirigente sindical mais importante do Brasil e um belo dia eu acordei na cadeia, sem ser nada. Eu tive que viver um ano fora do Sindicato, eu tive que liderar a minha categoria sem ser dirigente sindical. Elegemos o Meneguelli presidente do Sindicato, e eu só ia ao Sindicato quando o Meneguelli me convidava, que era para deixar ele exercer a função dele, de presidente. Quando nós colocamos o José Dirceu na presidência do PT, eu passei seis meses sem ir à sede do PT, para deixar o José Dirceu exercer a presidência dele porque, senão, fica uma coisa muito desagradável.
Jornalista: Não, não há dúvida. Agora o senhor (incompreensível) ...
Presidente: O Felipe González me contou uma história que eu faço questão de repetir: ex-presidente é que nem aqueles vasos chineses que você ganha de presente; você não sabe onde colocar um ex-presidente. Ele passa a ser incômodo, se ele não se tocar que ele é ex-presidente.
Jornalista: Não, mas dado esse período que o senhor vai...
Presidente: Então, eu, eu deixa eu completar... então, essa é a parte... essa é a parte mais séria da história. Eu quero dar um tempo maior no que eu vou fazer.
Jornalista: Claro.
Presidente: O que eu pretendo fazer? Veja: o acúmulo de acertos nas políticas sociais que nós tivemos no Brasil precisa ser socializado.
Jornalista: Isso, na prática...
Presidente: E eu quero socializá-las com quem? Eu quero socializá-las com os países da América do Sul e da América Latina, quero socializá-las com os países do Caribe, quero socializá-las com os países africanos – eu já tenho muitos convites de países africanos para ir lá mostrar a ideia, o que nós fizemos. Mas ir lá com tempo de ir a campo.
Jornalista: Então, já é real a história que o senhor vai fazer aquelas caravanas internacionais, nos moldes da...
Presidente: Já é real, eu não sei se caravana como eu fazia aqui, porque... mas é real que eu pretendo construir uma equipe de companheiros que acumularam oito anos de experiência no governo e 30 anos de experiência enquanto oposição, para que a gente tente colocar em prática, junto aos governantes dos países mais pobres, as condições de eles terem uma política de desenvolvimento social.
Jornalista: Não há necessidade de ter um cargo para isso? Um cargo tipo presidente do Banco Mundial, não é necessário?
Presidente: Não, não, não é necessário ter cargo para isso. Aí é só vontade política.
Jornalista: Mas essa possibilidade existe no ar, não é? Vários outros governantes também, internacionais, falam da possibilidade de pensar no senhor em um organismo multilateral.
Presidente: Deixa... Essa é outra coisa que eu tenho muito em conta, veja. Tem companheiros que falam: “Olha, Lula, você... é preciso ir para a ONU”. Eu tenho uma ideia diferente: eu acho que a ONU é uma instituição que tem ser dirigida por um burocrata, que tenha consciência de que ele é subordinado aos presidentes dos países, porque se você coloca alguém lá que, por coincidência, tenha mais força que alguns presidentes, fica, no mínimo, uma anomalia. Você fica com uma instituição criada para servir os países, com gente mandando mais... Aí, imagine se a moda pega e os ex-presidentes americanos resolvem ser secretários-gerais da ONU! Não dá certo!
Jornalista: Mas o senhor recusaria um convite nessa função?
Presidente: Eu recusaria, eu recusaria.
Jornalista: O senhor faria...
Presidente: Eu recusaria essas coisas de Banco Mundial, eu recusaria. Veja, eu tenho consciência do seguinte: eu tenho 64 anos. Quando eu deixar a Presidência eu vou ter 65 anos, eu ainda tenho muita contribuição para dar, ainda tenho muita contribuição para dar ao país. Eu sonho na construção de uma frente ampla no Brasil, juntar forças políticas aqui, construir um programa comum, fazer reforma partidária, que eu acho que é condição sine qua non para a gente poder mudar em definitivo o Brasil. Nós temos que ter uma reforma partidária, e isso não é coisa, não é coisa de presidente da República, isso é coisa dos partidos políticos. E eu pretendo, de fora, ajudar o meu partido a organizar, com os outros partidos políticos, a ideia da reforma política.
Jornalista: O projeto de um instituto para irradiar essas ideias também está em...
Presidente: Também, também está em conta. Mas eu agora, eu agora estou com a minha cabeça mais voltada para o seguinte: eu tenho mais cinco meses de governo, tem muita coisa para acontecer ainda...
Jornalista: Para as caravanas não precisa ter...
Presidente: ...e tudo o que eu tenho medo, sabe do que eu tenho medo? Eu sou muito amante do futebol. E tudo que eu tenho medo e que eu jamais faria como técnico é marcar um gol e correr para a retranca e ficar esperando o adversário vir para cima de mim. Então, eu tenho cinco meses de muito trabalho pela frente, eu quero trabalhar até o dia 31 de dezembro. Eu tenho agenda no dia 29 de dezembro, já tenho agenda para o dia 28 de dezembro. Eu quero ter agenda até o último dia de trabalho. O dia em que eu entregar a faixa para quem seja eleito presidente da República, aí sim, eu vou ter 30 dias de descanso.
Jornalista: Presidente, pelo jeito o senhor vai entregar a faixa, pelo menos pelas pesquisas hoje, para a ex-ministra Dilma Rousseff. O senhor trabalhou, vem trabalhando nesse sentido, e as pesquisas mostram que isso está se tornando cada vez mais viável. A que o senhor atribui... atribuiria, no caso de uma vitória dela, o êxito dela? Quer dizer, foi o empenho do senhor, é o perfil dela, é o fato de, pela primeira vez, se ter uma mulher com grandes chances de ser presidente da República? A que o senhor atribui essa...
Presidente: Veja, eu acho que tem um conjunto de valores. Veja, primeiro, eu preciso ter muita humildade para pedir para o povo votar na Dilma. O voto é um direito livre e soberano de cada cidadão. Mas como eu passei por aqui oito anos e sei como é que funciona isso, eu me sinto na obrigação de dizer ao povo quem eu entendo que poderia dar continuidade àquilo que nós estamos fazendo. Essa é a primeira coisa que eu tenho que ter todo o cuidado. A segunda coisa é o seguinte: um governo que tem 76% de bom e ótimo nos últimos cinco meses de mandato, um presidente da República que tem 86% de bom e ótimo, e se colocar regular dá 90% e...
Jornalista: É a unanimidade, Presidente.
Presidente: ...em alguns estados, 98%, em alguns estados, 97%. Ora, é um governo com fortes possibilidades de fazer a sucessão, fortes possibilidades. Tem uma aliança política muito forte, tem muitos candidatos a governador apoiando a ministra Dilma. Ela está muito bem preparada, não tem, hoje, no Brasil ninguém mais preparado do que a Dilma, do ponto de vista de ter o Brasil na cabeça, de ter as coisas na cabeça. É por isso...
Jornalista: Mas enquanto candidata, o senhor construiu ela do zero, não é, Presidente?
Presidente: Mas é por isso que nós preparamos o PAC2, porque eu poderia deixar para ela preparar em janeiro, como eu fiz no PAC1. Acontece que como nós já tínhamos a experiência do PAC1, eu resolvi fazer o PAC2... Vamos supor que ganhe o Félix, vamos supor, e ele não quer o PAC, ele não quer o PAC, ele faz outra coisa que ele quiser. Mas o que eu quis, na verdade, foi, primeiro, definir as obras prioritárias para o Brasil com os governadores e prefeitos, para a gente colocar dinheiro, tanto no orçamento quanto na LDO. Então, quem começar a governar não vai ter que encher a bola. A bola vai estar cheia e o cara pode começar jogando. Então, eu acho que a Dilma está extremamente preparada, madura politicamente, e eu acho que a vantagem da Dilma é a seguinte: é porque ela não tinha pretensão,...
Jornalista: Conversamos com ela lá na editora.
Presidente: ...e pelo fato de não ter pretensão, eu acho que jamais passou pela cabeça da Dilma.
Jornalista: Pelo menos no que ela... Eu disse: quando a senhora soube disso? Porque conversamos com ela lá, e ela foi surpreendida.
Presidente: Acho que jamais passou pela cabeça da Dilma...
Jornalista: A escolha.
Presidente: ...que ela fosse ser escolhida presidente... candidata a presidente da República.
Jornalista: E na sua cabeça, o primeiro momento...
Presidente: E eu escolhi...
Jornalista: É, qual foi o primeiro momento dessa escolha?
Presidente: O primeiro momento que me veio na cabeça foi quando eu, na Favela da Rocinha, eu disse que ela era a mãe do PAC. Ali, na verdade, eu estava começando a preparar...
Jornalista: O senhor já foi a fim de dizer isso ou...
Presidente: Não, não.
Jornalista: ...ou foi um insight?
Jornalista: Ou saiu?
Presidente: Na hora, na hora...
Jornalista: Foi na hora.
Jornalista: Saiu.
Presidente: Em função do clima, eu, na hora, eu falei: bom, eu vou... E foi uma coisa importante naquele momento.
Jornalista: Sabe o que é curioso, Presidente? É que todo mundo dizia e diz ainda hoje, por exemplo, que a Marina Silva é o Lula de saias, sempre pelo histórico, pela trajetória, pela luta de vida, enfim, é uma ministra do seu governo. Por que a Marina não foi a sua escolha, por exemplo?
Presidente: Olha, porque... deixa eu lhe falar uma coisa. Quando a gente vai escolher alguém para ser presidente da República, você tem que ter alguém que tenha um acúmulo de qualidades e não apenas um pouco de qualidades. A Marina é minha companheira de 30 anos. Vocês jamais ouvirão da minha boca alguma palavra que possa falar uma vírgula mal da Marina. A Marina, um ano antes de deixar o governo, pediu demissão. Eu não aceitei a demissão dela por conta da Dilma Rousseff. A Dilma Rousseff e o Gilberto Carvalho é que pediram para mim: “Olha, é melhor convencê-la a ficar”, e ela ficou mais um ano comigo, até que ela quis sair. Eu... até hoje ela não me explicou porque saiu do PT, eu também não fui tomar satisfação de por que ela saiu do PT.
Jornalista: Mas faltou a ela alguma coisa para o senhor... não ser a sua escolha.
Presidente: Agora, agora, veja... Não, é que tinha outros companheiros que pensavam em ser candidatos.
Jornalista: Antes da Dilma, o senhor chegou a pensar em outros nomes, dentro do primeiro mandato. Quer dizer, no primeiro mandato, tinha os nomes fortes como o Palocci, o Zé...
Presidente: Veja, obviamente que se não tivesse acontecido com o PT o que aconteceu em 2005, o quadro político poderia ser outro, obviamente que poderia ser outro. Mas a Dilma, quando ela veio para a Casa Civil... Eu já contei para vocês que a Dilma foi escolhido ministra de Minas e Energia por conta de uma reunião que eu estava fazendo em São Paulo, preparando 2002. Quando ela chegou, depois de uma hora de reunião, eu falei: É a minha ministra! Tanto é que o Zé Dirceu já tinha feito acordo com o PMDB, para o PMDB...
Presidente:... ter o Ministério de Minas e Energia. Eu falei para o Zé: desfaça, porque eu já tenho a Ministra. Ela foi de uma competência exuberante na construção do marco regulatório da energia, do modelo de energia elétrica no Brasil. Quando ela veio para a Casa Civil, que nós começamos a trabalhar juntos, a nos reunir cotidianamente, a discutir, as reuniões, é que eu percebi que eu estava diante de um animal político não trabalhado, de um animal político que foi a vida inteira educada para ser técnica. E eu comecei a falar: bom, nós precisamos agora descobrir é o lado desse animal político.
Um comentário:
Companheiro Rui (Santana na Bahia e Baiano no Pará, que dia chega a SP para o encontro dos blogueiros?), grande saque a reprodução da entrevista do Lula, estava aguardando as outras partes, mas já recebi por e-mail. Beleza! De qualquer forma, não deixe de publicar a entrevista completa, ponto para o Ananindeua Debates. Abração.
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