Coluna Diário de um Blogueiro: Jornalista e atual blougueiro Jadson Oliveira (Foto), 64 anos, trabalhou como jornalista, em diversos jornais e assessorias de comunicação, de 1974 a 2007, sempre em Salvador (Bahia). Na década de 70 militou no PCdoB e no movimento sindical bancário. Ao aposentar-se, em fevereiro/2007, começou a viajar pelo Brasil, América Latina e Caribe. Esteve em Cuba, Venezuela, Manaus, Belém/Ananindeua (quando do Fórum Social Mundial/2009) e Curitiba, com passagem por Palmas, Goiânia e Campo Grande. Depois Paraguai, Bolívia, Trindad Tobago , São Paulo e agora está na Argentina. virou viajante e blogueiro. Clic aqui e acesse o blog do Jadson Oliveira
Mario Vargas Llosa dá sua versão de como deu uma guinada da esquerda para a direita (Foto: Reprodução) |
De Buenos Aires (Argentina) - Partes da longa entrevista concedida pelo escritor peruano Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura, a Martín Granovsky e Silvina Friera, do jornal Página/12. Ele foi um dos conferencistas da Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, que se realiza de 20/abril a 9/maio, participação que gerou uma tremenda polêmica entre a intelectualidade devido à sua pregação política francamente de direita e às críticas que vem sustentando contra o governo argentino. Durante a entrevista, ele confessou sua perplexidade com o profundo golpe sofrido pelo neoliberalismo com a crise do capitalismo, estourada no segundo semestre de 2008, embora continue como um fanático adorador do deus mercado.
Dedico esta postagem aos que aprenderam a apreciar o grande escritor e, ao mesmo tempo, repudiam suas atuais preferências políticas e ideológicas. Dos seus livros que li, gostei especialmente de “Conversa na Catedral”. O título acima e a ordem dos temas são deste blog.
Sobre a opção entre Ollanta Humala e Keiko Fujimori, que disputam o segundo turno das eleições no Peru, cujo desfecho será em 5/junho:
Mario Vargas Llosa - Há um mal maior e um mal menor. O mal maior é Keiko Fujimori e então eu voto por Humala. Isso é claríssimo. Os problemas que possa trazer Humala já os enfrentaremos quando chegarem. Mas tenho uma esperança que quero que fique escrita. Minha esperança é que Humala se distancie realmente de (Hugo) Chávez e se aproxime realmente de gente como (Luiz Inácio) Lula (da Silva), como (José) Mujica, como (Mauricio) Funes, e haja uma política semelhante no campo econômico.
Sobre Lula e Fernando Henrique Cardoso:
Página/12 – O senhor falou de Lula como modelo. Sua estratégia foi de intervenção forte do Estado.
- Não tão intervencionista graças a que o anterior presidente foi Henrique Cardoso. As grandes reformas que Lula aproveitou as fez Cardoso. Ele é o grande estadista.
- Fernando Henrique Cardoso?
- Sim.
- Mas Lula não representou a continuidade de Cardoso, e sim a ruptura.
- Não, não, não! Como? Que horror, que injustiça! Que diz!
- O Brasil cresceu e se fez mais justo com Lula.
- Mas porque a grande reforma econômica, a grande reforma monetária a fez Henrique Cardoso. Cria as bases de uma economia de mercado. Abre as fronteiras do Brasil. O que acontece é que o fez com discrição, com uma elegância britânica porque não é um populista. Então Lula, que não sabia nada de economia, que não entendia absolutamente nada...
- O senhor diz que um homem que foi fundador do Partido dos Trabalhadores e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos não sabia nada de economia?
- Lula encontra um país preparado graças à extraordinária habilidade e a imensa cultura de Henrique Cardoso, que é quem abre a modernidade para o Brasil, quem introduz uma economia de mercado autêntica, quem faz a esquerda brasileira entender que não há criação de riqueza sem mercado, sem empresa privada, sem investimentos, sem integração ao mundo. E Lula, em boa hora para o Brasil, segue essa rota.
- Talvez Lula seja considerado “tribal” por (Friedrich von) Hayek (economista ultra-direitista que respaldou a ditadura de Pinochet no Chile e que é reverenciado por Vargas Llosa), porém é Lula quem fala de justiça social, não Cardoso.
- Falar de justiça social não quer dizer nada...
- Hayek dizia que buscar a justiça social é uma atitude que vinha das tribos ou das hordas. Lula foi tribal ao colocar em prática esse princípio?
- Para fazê-lo há que criar riqueza. Um país tem que prosperar. Isso é o que permitiu a política de Henrique Cardoso, que esse país prospere.
- Mas o país não cresceu com Cardoso, e não superou 3% anual.
- Mas criou as condições e começou a crescer e regularizou a moeda. Encontrou uma estabilidade que na história brasileira praticamente nunca havia existido. Essa estabilidade é fundamental para que haja uma economia de mercado. Como pode haver investimento, como pode um empresário projetar seu plano de trabalho, de investimentos, se a moeda está sujeita aos vai-e-véns permanentes como estava quando Henrique Cardoso subiu ao poder?
Sobre sua conversão de socialista para democrata liberal (ou de esquerdista para direitista):
- O senhor fez um clique em suas ideias políticas de um momento para outro?
- Não. Um clique de um momento para outro nunca, creio. Foi um processo. Por exemplo, passar de convicções socialistas a convicções democráticas e liberais foi um processo que tem distintas etapas, mas creio que se inicia em meados dos anos 60, com relação a Cuba, basicamente.
- Mas em algum momento faz um clique entre não dizer as coisas ou dizê-las?
- Não, não. Digamos que eu creio que estava muito identificado com a esquerda, basicamente a partir da Revolução Cubana, e comecei a ter certas dúvidas, mas não me atrevia a fazê-las públicas. A primeira dúvida séria que eu tenho com a Revolução Cubana é quando da Umap, as unidades militares de apoio à produção, um eufemismo para campos de concentração.
- Por que o diz?
- Eram campos de concentração onde colocaram vermes, criminosos comuns e gays. Para mim isso foi uma experiência muito chocante, eu não esperava. Conheci muitos dos jovens que foram para os campos de concentração.
- No ano passado Fidel Castro disse ao diário La Jornada, do México, que a perseguição aos gays havia sido um dos grandes erros da Revolução Cubana.
- Um pouco tarde, não? Porque nessa experiência não somente sofreram terrivelmente moças e rapazes que eram identificados com a revolução, os do grupo El Puente. Foi muito traumático, muito violento, e para mim foi a primeira vez que tive dúvidas muito sérias se a Revolução Cubana era o que eu acreditava e o que eu dizia que era. Esse fato me foi mudando muitíssimo, me criou muitas dúvidas, começou a estimular atitudes críticas frente à revolução. Outra experiência que resultou confirmatória e muito mais importante para minha evolução foi o apoio de Fidel à invasão da Tchecoslováquia, quando da invasão dos países do Pacto de Varsóvia.
- A de 1968.
- Sim. Foi a primeira vez que já não me importou “armar o inimigo”, e o digo entre aspas para falar da fórmula chantagista que mantinha sempre os críticos de esquerda em silêncio. Aí escrevi um artigo que se chamou “O socialismo e os tanques”, claramente fazendo uma crítica à revolução. Mas fui ainda uma vez mais a Cuba depois disso, que foi a última vez que estive lá, já não me lembro o ano, não sei se 69 ou 70, imediatamente antes do caso (do poeta Heberto) Padilla. Ainda não o haviam prendido, mas era evidente que iam fazê-lo a qualquer momento. Padilla estava enlouquecido pela tensão em que vivia, e o clima era um clima... de uma... uff, havia ansiedade, havia medo entre muitos escritores que conhecia muito bem. Eu saí completamente angustiado dessa viagem, e logo ocorreu o caso Padilla, que foi definitivo.
- Essa foi a mudança das ideias socialistas às ideias liberais?
- Não, o liberalismo é posterior. Nesse momento o socialismo entusiasta passa a ser um socialismo muito crítico, passa a ser uma social-democracia. Eu me senti como se sentem os padres que de repente se tornam ateus: muito desamparado, muito sozinho, num mundo muito confuso. Foi um processo lento de revalorização da ideia de democracia, a importância dessa democracia formal tão criticada pela esquerda, e comecei a ler Raymond Aron, (George) Orwell, (Arthur) Koestler e (Albert) Camus, a quem havia lido e havia atacado quando eu era muito sartreano. Inclusive publiquei um livrinho que se chama “Entre Sartre e Camus”, contando essa evolução.
- E o liberalismo quando começou no senhor?
- Primeiro foi uma espécie de resgate da ideia democrática, da importância desses valores formais, das formas no político. E em seguida creio que o liberalismo foi o descobrimento de Isaiah Berlin e (Karl) Popper. A leitura de Popper, a leitura de “A sociedade aberta e seus inimigos” para mim foi fundamental; é um dos livros que mais me marcou, me mudou, me enriqueceu extraordinariamente o que é a visão do autoritarismo, do que é o totalitarismo, e como essa é uma ameaça que está sempre presente, inclusive nas sociedades mais livres, mais avançadas.
Um pouco mais sobre o liberalismo:
- Os liberais não estamos a favor de que haja desigualdade.
- Que querem?
- Que tudo nasça do êxito, do esforço, da produção de bens ou serviços que beneficiam o conjunto da comunidade. Que haja gente que tenha maiores ou menores rendas em função da sua excelência, do seu talento, é legítimo para um liberal. O que não é legítimo é que essas diferenças se estabeleçam a partir do privilégio ou da desaparição da igualdade de oportunidades de base, que é um princípio liberal.
Tradução: Jadson Oliveira
Dedico esta postagem aos que aprenderam a apreciar o grande escritor e, ao mesmo tempo, repudiam suas atuais preferências políticas e ideológicas. Dos seus livros que li, gostei especialmente de “Conversa na Catedral”. O título acima e a ordem dos temas são deste blog.
Sobre a opção entre Ollanta Humala e Keiko Fujimori, que disputam o segundo turno das eleições no Peru, cujo desfecho será em 5/junho:
Mario Vargas Llosa - Há um mal maior e um mal menor. O mal maior é Keiko Fujimori e então eu voto por Humala. Isso é claríssimo. Os problemas que possa trazer Humala já os enfrentaremos quando chegarem. Mas tenho uma esperança que quero que fique escrita. Minha esperança é que Humala se distancie realmente de (Hugo) Chávez e se aproxime realmente de gente como (Luiz Inácio) Lula (da Silva), como (José) Mujica, como (Mauricio) Funes, e haja uma política semelhante no campo econômico.
Sobre Lula e Fernando Henrique Cardoso:
Página/12 – O senhor falou de Lula como modelo. Sua estratégia foi de intervenção forte do Estado.
- Não tão intervencionista graças a que o anterior presidente foi Henrique Cardoso. As grandes reformas que Lula aproveitou as fez Cardoso. Ele é o grande estadista.
- Fernando Henrique Cardoso?
- Sim.
- Mas Lula não representou a continuidade de Cardoso, e sim a ruptura.
- Não, não, não! Como? Que horror, que injustiça! Que diz!
- O Brasil cresceu e se fez mais justo com Lula.
- Mas porque a grande reforma econômica, a grande reforma monetária a fez Henrique Cardoso. Cria as bases de uma economia de mercado. Abre as fronteiras do Brasil. O que acontece é que o fez com discrição, com uma elegância britânica porque não é um populista. Então Lula, que não sabia nada de economia, que não entendia absolutamente nada...
- O senhor diz que um homem que foi fundador do Partido dos Trabalhadores e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos não sabia nada de economia?
- Lula encontra um país preparado graças à extraordinária habilidade e a imensa cultura de Henrique Cardoso, que é quem abre a modernidade para o Brasil, quem introduz uma economia de mercado autêntica, quem faz a esquerda brasileira entender que não há criação de riqueza sem mercado, sem empresa privada, sem investimentos, sem integração ao mundo. E Lula, em boa hora para o Brasil, segue essa rota.
- Talvez Lula seja considerado “tribal” por (Friedrich von) Hayek (economista ultra-direitista que respaldou a ditadura de Pinochet no Chile e que é reverenciado por Vargas Llosa), porém é Lula quem fala de justiça social, não Cardoso.
- Falar de justiça social não quer dizer nada...
- Hayek dizia que buscar a justiça social é uma atitude que vinha das tribos ou das hordas. Lula foi tribal ao colocar em prática esse princípio?
- Para fazê-lo há que criar riqueza. Um país tem que prosperar. Isso é o que permitiu a política de Henrique Cardoso, que esse país prospere.
- Mas o país não cresceu com Cardoso, e não superou 3% anual.
- Mas criou as condições e começou a crescer e regularizou a moeda. Encontrou uma estabilidade que na história brasileira praticamente nunca havia existido. Essa estabilidade é fundamental para que haja uma economia de mercado. Como pode haver investimento, como pode um empresário projetar seu plano de trabalho, de investimentos, se a moeda está sujeita aos vai-e-véns permanentes como estava quando Henrique Cardoso subiu ao poder?
Sobre sua conversão de socialista para democrata liberal (ou de esquerdista para direitista):
- O senhor fez um clique em suas ideias políticas de um momento para outro?
- Não. Um clique de um momento para outro nunca, creio. Foi um processo. Por exemplo, passar de convicções socialistas a convicções democráticas e liberais foi um processo que tem distintas etapas, mas creio que se inicia em meados dos anos 60, com relação a Cuba, basicamente.
- Mas em algum momento faz um clique entre não dizer as coisas ou dizê-las?
- Não, não. Digamos que eu creio que estava muito identificado com a esquerda, basicamente a partir da Revolução Cubana, e comecei a ter certas dúvidas, mas não me atrevia a fazê-las públicas. A primeira dúvida séria que eu tenho com a Revolução Cubana é quando da Umap, as unidades militares de apoio à produção, um eufemismo para campos de concentração.
- Por que o diz?
- Eram campos de concentração onde colocaram vermes, criminosos comuns e gays. Para mim isso foi uma experiência muito chocante, eu não esperava. Conheci muitos dos jovens que foram para os campos de concentração.
- No ano passado Fidel Castro disse ao diário La Jornada, do México, que a perseguição aos gays havia sido um dos grandes erros da Revolução Cubana.
- Um pouco tarde, não? Porque nessa experiência não somente sofreram terrivelmente moças e rapazes que eram identificados com a revolução, os do grupo El Puente. Foi muito traumático, muito violento, e para mim foi a primeira vez que tive dúvidas muito sérias se a Revolução Cubana era o que eu acreditava e o que eu dizia que era. Esse fato me foi mudando muitíssimo, me criou muitas dúvidas, começou a estimular atitudes críticas frente à revolução. Outra experiência que resultou confirmatória e muito mais importante para minha evolução foi o apoio de Fidel à invasão da Tchecoslováquia, quando da invasão dos países do Pacto de Varsóvia.
- A de 1968.
- Sim. Foi a primeira vez que já não me importou “armar o inimigo”, e o digo entre aspas para falar da fórmula chantagista que mantinha sempre os críticos de esquerda em silêncio. Aí escrevi um artigo que se chamou “O socialismo e os tanques”, claramente fazendo uma crítica à revolução. Mas fui ainda uma vez mais a Cuba depois disso, que foi a última vez que estive lá, já não me lembro o ano, não sei se 69 ou 70, imediatamente antes do caso (do poeta Heberto) Padilla. Ainda não o haviam prendido, mas era evidente que iam fazê-lo a qualquer momento. Padilla estava enlouquecido pela tensão em que vivia, e o clima era um clima... de uma... uff, havia ansiedade, havia medo entre muitos escritores que conhecia muito bem. Eu saí completamente angustiado dessa viagem, e logo ocorreu o caso Padilla, que foi definitivo.
- Essa foi a mudança das ideias socialistas às ideias liberais?
- Não, o liberalismo é posterior. Nesse momento o socialismo entusiasta passa a ser um socialismo muito crítico, passa a ser uma social-democracia. Eu me senti como se sentem os padres que de repente se tornam ateus: muito desamparado, muito sozinho, num mundo muito confuso. Foi um processo lento de revalorização da ideia de democracia, a importância dessa democracia formal tão criticada pela esquerda, e comecei a ler Raymond Aron, (George) Orwell, (Arthur) Koestler e (Albert) Camus, a quem havia lido e havia atacado quando eu era muito sartreano. Inclusive publiquei um livrinho que se chama “Entre Sartre e Camus”, contando essa evolução.
- E o liberalismo quando começou no senhor?
- Primeiro foi uma espécie de resgate da ideia democrática, da importância desses valores formais, das formas no político. E em seguida creio que o liberalismo foi o descobrimento de Isaiah Berlin e (Karl) Popper. A leitura de Popper, a leitura de “A sociedade aberta e seus inimigos” para mim foi fundamental; é um dos livros que mais me marcou, me mudou, me enriqueceu extraordinariamente o que é a visão do autoritarismo, do que é o totalitarismo, e como essa é uma ameaça que está sempre presente, inclusive nas sociedades mais livres, mais avançadas.
Um pouco mais sobre o liberalismo:
- Os liberais não estamos a favor de que haja desigualdade.
- Que querem?
- Que tudo nasça do êxito, do esforço, da produção de bens ou serviços que beneficiam o conjunto da comunidade. Que haja gente que tenha maiores ou menores rendas em função da sua excelência, do seu talento, é legítimo para um liberal. O que não é legítimo é que essas diferenças se estabeleçam a partir do privilégio ou da desaparição da igualdade de oportunidades de base, que é um princípio liberal.
Tradução: Jadson Oliveira
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