terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Destinos do PT


Artigo de Emiliano José*

Uma rica discussão sobre a relação dos vereadores do Partido dos Trabalhadores em Salvador e os movimentos sociais estabeleceu-se no último dia 6 deste mês, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia. Tive o privilégio de participar da banca que examinou o mestrando Cláudio André de Souza, orientando da querida amiga, professora Maria Victória Espiñeira. Souza defendia a dissertação, denominada “A representação política do Partido dos Trabalhadores: a relação entre os parlamentares e movimentos sociais em Salvador (2005-2010)”.

O autor, desde a graduação, vem estudando o PT e suas mudanças ao longo do tempo, e essa dissertação dedica-se novamente a tentar entender o partido na nova conjuntura que ele enfrenta depois que chegou à presidência da República, com a vitória nas eleições de 2002, permanecendo até os dias de hoje, vitoriosamente. Discute teoricamente o partido político, democracia, representação política, e a atuação parlamentar do PT de modo geral e, ao final, discute a específica atuação dos vereadores do PT em Salvador, objeto mais direto de seu estudo. Da banca, participou, também, além de mim e da professora Maria Victória, o professor Paulo Fábio Dantas. O aluno foi aprovado.

Não me atenho aqui à dissertação, nem aos comentários que fiz no exame do mestrando. Tomo como gancho a dissertação para duas ou três palavras sobre o PT, a partir do que suscitado pelo trabalho de Cláudio André de Souza.  Tomo como ponto de partida palavras de Raymundo Faoro, numa entrevista concedida a Mino Carta, em 1989, usadas como epígrafe no texto: “Se o PT entender que o tempo não é crucial, vai se beneficiar muito com isso. O tipo de proposta do PT não é a presidência da República. O importante são os meios para na presidência da República promover aquelas reformas a que ele se propõe. Só a presidência da República, desligada do programa, poderia ser uma armadilha para o PT”.

O que resta saber, portanto, é se, tendo chegado à presidência da República por decisão soberana do povo brasileiro, o PT conseguiu promover as reformas a que se propunha. E, olhando-se por diversos ângulos, é inegável que o partido, evidentemente com base numa aliança política ampla, conseguiu promover as reformas previstas em seu programa. O recado de Faoro era o de que o partido não deveria querer a presidência da República como um fim em si. Mas como um meio para, nas minhas palavras, melhorar a vida do povo brasileiro. O que aconteceu e vem acontecendo, agora no terceiro mandato, com a presidenta Dilma na presidência. 

Havia, na dissertação, uma tensão teórica sobre os destinos do PT, que me pareceu apropriada, e que deve, também, preocupar o partido. Um partido, chegado ao poder, pode perder as matrizes iniciais de sua origem? 
Primeiro, é evidente que o PT de hoje não pode ser o de fevereiro de 1980 – o mundo e o Brasil mudaram muito, em tudo, e o partido haveria de se adequar as mudanças, mantendo, em princípio, suas propostas de mudar o Brasil, democraticamente, e, segundo seu programa, com vistas ao socialismo. Segundo, essas mudanças políticas do partido, decorrentes do império das novas conjunturas, e também das mudanças estruturais de todo o mundo e do Brasil de modo particular, seguramente tem impacto no partido.

O que o PT, necessariamente tem de se perguntar, e isso estou dizendo como decorrência das provocações advindas da banca do dia 6, é se as mudanças experimentadas não comprometem seu horizonte estratégico, seus compromissos com a democracia e o socialismo. 

Lembro da lembrança que fez Paulo Fábio em torno das reflexões de Robert Michels, que fala na inevitável burocratização e oligarquização dos partidos. A par, portanto, de que o PT vem dirigindo a mudança do Brasil, promovendo as reformas prometidas, deve seguir refletindo sobre seu destino de longo prazo. Não deixando de acompanhar os novos tempos, onde mais do que nunca tudo que é sólido desmancha no ar, e nem perdendo os compromissos centrais que garantiram uma trajetória tão vitoriosa, ancorada no respeito que adquiriu junto ao povo brasileiro. 
Jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA)

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