Jornal GGN - Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conseguiu sair
vitorioso neste domingo (17). Dentro dos limites legislativos que poderia
transitar, mobilizou um país em favor de seus interesses, usando as fracas
sustentações de pedaladas fiscais, para a derrubada de um presidente da
República. Para chegar a este ponto, não mediu ações em manobras sequenciais,
em regras determinadas de última hora, a seu critério e sem consenso
parlamentar, e o uso de todas as brechas de uma lei que o Brasil não esperava
usar em seu início de democracia.
Por outro lado, foram essas mesmas artimanhas que o fizeram
segurar sua cadeira na Presidência da Câmara, mesmo carregando a pressão de ser
o primeiro político réu da Operação Lava Jato, com uma denúncia aceita pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), dois inquéritos que investigam outros
desdobramentos do mesmo caso que indica um benefício de, pelo menos, R$ 5
milhões em corrupção da Petrobras, e outras apurações em andamento na
Procuradoria-Geral da República.
A ousadia de se vender como inocente em uma ação penal, que
logo na primeira instância já prendeu e condenou três de seus coautores no
esquema montado entre a estatal e ele - Eduardo Cunha (dizem os autos da PGR e
também de Sergio Moro, da Federal de Curitiba), foi a mesma que o fez
simplesmente ignorar um pedido do Supremo de esclarecimentos e afirmar que
todas as suas respostas já foram proferidas na CPI da Petrobras, em março de
2015. Aquela, em que seus companheiros de Câmara o aplaudiram veementemente e a
bancada governista temeu enfrentá-lo com indagações. Deixou de prestar mais
informações porque, afinal, estava ocupado com a sessão de impeachment contra
Dilma Rousseff que ocorreria duas semanas depois.
A confirmação, com provas, do Ministério Público suíço de
que Cunha mentiu naquela Comissão Parlamentar e que, sim, mantinha contas
secretas em paraísos fiscais em seu nome, de sua esposa e de sua filha, não
mudou tanto o cenário de aplausos daquela CPI para a votação deste domingo.
Diversos votos pró-impeachment proclamaram Cunha o herói responsável pela queda
de Dilma.
Mas será que as manobras, artifícios, pressões, lobbies e
todos os mecanismos de defesa que o mantiveram imune, até agora, serão
suficientes? Até quando? A Constituição, que teve seus trechos considerados suficientes
para impedir Dilma Rousseff do comando do país na visão dos deputados, não
garante também o afastamento de Cunha?
Eduardo Cunha pode ser retirado da presidência da Câmara por
duas vias. Por decisão da maioria do plenário da Câmara ou por decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF). No momento atual, os dois casos apresentam
pontos favoráveis ao peemedebista.
Afastamento pela Câmara
A primeira das opções deve partir de um processo de cassação
contra o parlamentar. Hoje, tramita no Conselho de Ética da Casa um processo
solicitado por 46 deputados do PSOL, Rede, PT, PSB e PROS. Acontece que grande
parte das manobras feitas por Cunha e seus aliados foram justamente nessa
Comissão, com vistas a adiar e a favorecer para que, sequer, ocorra a abertura
da cassação.
No meio da semana turbulenta do processo de impedimento,
Cunha revezava-se entre as estratégias para que a Comissão do Impeachment
liberasse o parecer, que as sessões com discursos de deputados fossem cumpridas
em tempo hábil e que a votação final coincidisse com o planejado, para o
domingo, ao mesmo tempo em que mantinha as vistas no processo que tramita
contra ele.
Foi na última quarta-feira (13) que o deputado Fausto Pinato
(PP-SP) renunciou ao seu posto no Conselho de Ética da Câmara. Pinato votava
pela admissibilidade da cassação contra Cunha. Chegou a ser o primeiro relator
do caso, sendo destituído em manobra de aliados do peemedebista. A sua saída
foi justificada pela pressão do PRB. O antigo partido de Fausto Pinato é que o
havia indicado para o Conselho, e alegava querer a representatividade na
Comissão.
Curiosamente, a bancada de 22 deputados do PRB votou com
unanimidade a favor do impeachment de Dilma. Entre os que pressionaram Pinato a
deixar o posto foi a deputada Tia Eron (PRB-BA) que, momentos depois, foi
anunciada como substituta no Conselho. No dia seguinte ao anúncio, ela declarou
que a Câmara "produziu como nunca" com o comando de Eduardo Cunha na
Casa. "Claro que eu tenho de comemorar, isso é um grande ganho político
para a população brasileira", afirmou, referindo-se ao seu voto por Cunha
à Presidência, em 2015.
Com a entrada de Tia Eron no Conselho de Ética, Cunha já
pode ter alcançado maioria no colegiado. Na primeira fase de apreciação do
relatório que elencava motivos para o afastar, o peemedebista foi derrotado por
uma margem apertadíssima - 11 votos a 10, após o chamado voto de minerva do
presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PR-BA), porque o resultado antes
implicava um empate ao deputado.
Com a garantia da aliada de Cunha no Conselho, o placar
possivelmente virará a favor do presidente da Câmara, vencendo por 11 votos a
9, não cabendo o voto de desempate de Araújo. O caso, assim, morreria antes
mesmo de ir ao Plenário da Câmara.
Afastamento pelo Supremo
Está nas mãos do ministro Teori Zavascki, do Supremo
Tribunal Federal, três inquéritos contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Em um deles, o parlamentar já é réu, porque o Supremo aceitou a denúncia da
Procuradoria-Geral da República de prática de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro. Outro é uma denúncia apresentada pelo MPF e um terceiro inquérito
está em fase de apuração.
O primeiro trata-se da ação penal que indica o recebimento
de, pelo menos, 5 milhões de dólares para viabilizar a construção de dois
navios-sonda da Petrobras, sem licitação. O processo é o mesmo que condenou, em
agosto de 2015, Nestor Cerveró, Fernando Baiano e Julio Camargo, pela Justiça
Federal do Paraná. A sentença afirma que os três, condenados à prisão e multa,
pagaram o montante de propina a Eduardo Cunha.
Entretanto, as provas trazidas contra o deputado o incriminam
em ações a partir de 2010. A denúncia enviada pelo MPF também incluía práticas
de corrupção em 2006 e 2007, anos em que os investigadores ainda não
conseguiram trazer provas do envolvimento. Por isso, a ação foi aceita
parcialmente pelos ministros da Corte.
"A denúncia trouxe reforço narrativo lógico e elementos
sólidos que apontam ter ambos os denunciados, Eduardo Cunha e Solange Almeida,
aderido à exigência de recursos ilícitos nesse segundo momento, entre 2010 e
2011", disse Zavascki, no início de março deste ano.
Com o acolhimento da denúncia, o Supremo abriu prazos para a
PGR e a PF seguirem com as investigações, na tentativa de levantarem as provas
para os anos de 2006 e 2007, e também para Cunha se defender. Foram nessas
solicitações que o presidente da Câmara foi intimado a depor e preferiu não
prestar esclarecimentos, afirmando que já havia quitado todas as informações
durante a CPI da Petrobras de 2015.
Também tramita nas mãos de Rodrigo Janot, procurador-geral
da República, os autos sobre as contas secretas mantidas por Cunha no exterior,
em paraísos fiscais, e que, segundo os investigadores, foram usadas para o
parlamentar receber as propinas de contratos da estatal.
Em um desses casos, a PGR já enviou denúncia ao Supremo
informando que o deputado praticou evasão de divisas, corrupção passiva e
lavagem de dinheiro por manter contas na Suíça. De acordo com Janot, Cunha tem
pelo menos US$ 1,31 milhão em uma dessas contas, quantia recebida como propina
por intermediar a aquisição de um campo de petróleo em Benin, na África, pela
Petrobras.
No mesmo processo, Janot aponta que o peemedebista praticou
crime de falsidade ideológica e eleitoral, por omitir esses rendimentos na
prestação de contas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em resposta, a PGR
pediu ao Supremo que Eduardo Cunha perca o mandato parlamentar e pague R$ 10,5
milhões, duas vezes o valor encontrado na Suíça, como forma de reparar danos
materiais e morais.
O segundo processo, ainda em fase de inquérito, sem denúncia
apresentada, é o que apontou, também na última semana, que Cunha recebeu R$ 52
milhões em 36 parcelas de propina pelo consórcio formado pela OAS, Odebrecht e
Carioca Engenharia, na aquisição dos Certificados de Potencial de Área
Construtiva para as obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, em 2011. As
parcelas foram depositadas em diversas contas do peemedebista no exterior.
No total, são dois processos já nas mãos de Teori Zavascki,
aguardando o prosseguimento natural de defesa e acusações, além do posicionamento
dos ministros do STF, e um dos processos encontra-se na Procuradoria-Geral da
República, onde ainda precisa avançar nas buscas e apurações.
Apesar de tantos indícios, a Eduardo Cunha foi garantido o
princípio da presunção da inocência e, por isso, pode ser que ele não seja
afastado do cargo. O que está em análise é um quarto pedido de Janot, com base
em todas essas investigações, solicitando o afastamento do peemedebista da
Presidência da Casa.
Aí é que entram as divergências. Há quem defenda que Cunha
pode ser obrigado a deixar a cadeira pelo STF, com base no Decreto Lei 201, que
trata do afastamento de prefeitos e chefes do Legislativo. De acordo com o
decreto, representantes eleitos pelo voto popular só podem ser afastados após a
instauração de processo por crime comum ou de responsabilidade - que o
peemedebista tem de sobra.
Entretanto, alguns juristas entendem que o afastamento de um
presidente da Câmara é questão exclusiva do Legislativo e que a interferência
do Judiciário seria um desacato ao princípio de autonomia e independência entre
os Três Poderes. Por isso, seguindo essa linha, não caberia ao Supremo afastar
Cunha. Essas duas linhas de discussão deverão estar presentes quando o processo
do peemedebista for discutido pelo Plenário do STF.
Independentemente disso, o Supremo, contudo, tem a sua
agenda de processos prioritários e de emergência ocupada, neste momento, por
possíveis liminares, medidas cautelares e recursos do processo de impeachment
contra a presidente Dilma Rousseff.
Todo esse andamento fez com que Eduardo Cunha, de forma
consciente e estrategista, avançasse no processo que incide sobre Dilma, ao
mesmo tempo que garantisse o atraso, ou até mesmo a paralisação, das
possibilidades que recaem sobre o seu próprio afastamento.
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