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O BRASIL TEM um bloco de extrema-direita para chamar de seu, independentemente de quem vencer as eleições para presidente.
Ele é composto por deputados como Márcio Labre, do PSL do Rio de Janeiro. Labre é pouco conhecido, mas já amealhou 35 mil inscritos em seu canal no Youtube. “Já considerei tomar o poder por força bruta, mas me convenci a dar mais uma chance para a democracia agora nessas eleições de 2018”, disse ele num de seus vídeos, ao pedir voto para os eleitores. Ele defende uma nova Constituição na qual partidos e movimentos comunistas serão proibidos, com a adoção do regime de trabalhos forçados como cumprimento de pena e prisão perpétua.
Labre disse também que formará “uma força-tarefa no sentido de garantir a governabilidade ao nosso futuro presidente e comandante, Jair Bolsonaro”.
Ao seu lado, estarão deputados, a grande maioria eleita para seu primeiro cargo eletivo, que defendem “respaldo jurídico” para que policiais matem sem serem punidos, castração de estupradores, classificação de movimentos sociais como terroristas, redução de maioridade penal (em alguns casos, até para 14 anos), adoção da prisão perpétua no país, proibição de partidos políticos de esquerda, entre outras políticas que, até há alguns anos, a maioria tinha vergonha de expressar.
‘A onda conservadora, antes de mais nada, é da sociedade.’
No novo Congresso, acabou a vergonha. Se um Marcos Feliciano, o pastor e deputado federal, incomodava muita gente, agora prepare-se para uma invasão de Felicianos (e não necessariamente pastores). Essas propostas dos agora deputados eleitos estão bem desenhadas em PDFs, cards no Facebook e vídeos espalhados pelo Youtube. Mais de 7,9 milhões de brasileiros votaram diretamente nos 52 candidatos que o PSL, o partido outrora nanico de Jair Bolsonaro, conseguiu eleger. É a segunda maior bancada da nova Câmara, perdendo apenas para o PT, que tem 56. Ainda há os bolsonaristas espalhados por outros partidos, também eleitos. A onda conservadora, antes de mais nada, é da sociedade.
O que torna essa enxurrada de parlamentares conservadores potencialmente perigosa para as futuras leis do Brasil é que não se trata de um amontoado de despreparados, que poderiam ceder ao fisiologismo. Nada indica que esse grupo de deputados do PSL esteja com sangue nos olhos para roubar. A motivação é, até indicação em contrário, ideológica. Retrógrada, violenta, eventualmente rasa, mas ainda assim, com propósito real.
Uma parte considerável desses bolsonaristas convictos, na verdade, é de parlamentares com potencial para fazer uso eficaz da tribuna e das comissões internas da Câmara ao longo dos próximos quatro anos, pelo menos. É bom lembrar: Feliciano ganhou notoriedade e ojeriza da esquerda ao bater pé para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, tradicionalmente presidida por representantes do campo progressista. Alguns desses seguidores de Bolsonaro eventualmente poderão até mesmo virar ministros. São policiais, militares das Forças Armadas, empresários, comunicadores. Em comum entre eles, um conservadorismo declarado, numa intensidade nunca vista antes.
Feliciano ficou famoso ao bater pé para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

Feliciano ficou famoso ao bater pé para presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara.


Foto: Alan Marques/Folhapress, PODER
O conservadorismo de direita não está apenas no PSL. O DNA de Bolsonaro e seu partido de aluguel está presente num amplo espectro de partidos. Para citar alguns mais evidentes: Pastor Marco Feliciano (Podemos), Onyx Lorenzoni (DEM), Kim Kataguiri (DEM). Mas há também outros ainda desconhecidos da maior parte do público e que saíram das urnas com votação esmagadora em seus estados e chegarão à Câmara com moral – e de mãos dadas com Bolsonaro. É o caso, por exemplo, do Sargento Fahur, da Polícia Militar Rodoviária. Foi o mais votado no Paraná, filiado ao PSD. Mas ele já afirmou: “Eu sou Bolsonaro presidente do Brasil, independente do partido que eu esteja”. Ele só não disputou pelo PSL por uma razão estratégica no Paraná.
O que está se desenhando é uma reformatação da lógica organizacional da Câmara. Os partidos já não tinham fronteiras claras entre si. Agora, com 30 partidos elegendo representantes, a fragmentação partidária e a polarização do país deixa mais claro que as votações serão muito mais ideológicas do que disciplinadamente guiadas pelos comandos de líderes partidários. As votações respeitarão mais os interesses setoriais do que as legendas em si. Em especial, a bancada BBB (bala, bíblia e boi): os defensores da linha dura na área da segurança pública, os religiosos/evangélicos e os ruralistas. Eles estão espalhados por diferentes partidos. Segundo o Diap (departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), a Câmara atual tem 233 parlamentares alinhados a um desses três grupos – ou seja, 45% da Câmara. Ainda não há números fechados a partir da votação de domingo, mas é de se imaginar que esse percentual irá aumentar a ponto de garantir a maioria absoluta da Câmara.
O regimento interno da Câmara dos Deputados prevê a formação dos chamados “blocos parlamentares”. Na prática, eles unem diversos partidos sob o comando de um único líder – o que facilita o encaminhamento de votações, a definição de prioridades de pauta e a interlocução com o Executivo. Não será surpresa se o PSL trouxer para um arranjo mais institucional partidos menores que já estão timidamente na sua órbita. Nem que seja como laboratório para a criação de um novo partido – como já foi ventilado pela Folha de S.Pauloapós as declarações formais de apoio de ruralistas e de evangélicos à candidatura de Bolsonaro. Com a cláusula de barreira, o volume do PSL tende a aumentar até o início do ano, com a migração de conservadores eleitos por partidos nanicos de direita que ficarão politicamente inviabilizados a partir de agora.
O tamanho do PSL importa. A Câmara tem 25 comissões permanentesatualmente. Elas são divididas por temas. É por elas, dependendo do tema, que cada projeto passa antes de chegar ao plenário. Num eventual governo Bolsonaro, pelo tamanho da bancada garantida até a posse, o PSL provavelmente terá diretamente o controle da Comissão de Constituição e Justiça (a mais importante, por onde passam todos os projetos) e de ao menos duas outras comissões. O bloco conservador também terá força suficiente para encaminhar CPIs (Comissões Parlamentares de Inquéritos) e fazer uma espécie de caça às bruxas. Basta um terço das assinaturas da Câmara. A bancada do conservadorismo mais clássico já tem 45% da Casa.
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Fotos: Reprodução

O Exército Bolsonarista

O discurso raivoso do Sargento Fahur, o mais votado no Paraná, faz um sucesso tremendo nas redes sociais (sua página no Facebook tem mais de 2,9 milhões de curtidas). Seus posts incluem anátemas civilizados como “vagabundo é cacete no lombo e bala no rabo”. O Paraná é um bastião do novo conservadorismo brasileiro. É de lá também que virá para a Câmara o jornalista Paulo Martins, um jovem de 37 anos e que adota um dos discursos mais radicais da direita brasileira. É filiado ao PSC e ganhou R$ 1 milhão da direção nacional do partido para sua campanha, sinal de que era aposta forte para a Câmara. Mas é bolsonarista de carteirinha.
A tropa de choque de Bolsonaro no Paraná é formada também por outros dois rapazes de 27 anos, potenciais gladiadores do combate à esquerda ‘depravada’ nos salões de Brasília. Esses são do PSL mesmo, “bolsonaristas de raiz”. São eles Felipe Francischini, filho de Fernando Francischini, delegado da Polícia Federal e um dos artífices da campanha de Bolsonaro (e eleito deputado estadual), e Filipe Barros, advogado que se define sem tergiversações: “Sou conservador, de direita, defendo a redução do estado, o liberalismo econômico e a iniciativa privada (tão desvalorizada no nosso país). Defensor da vida, da família e das crianças”. Ele vem de Londrina, onde é vereador, para Brasília.
A juventude é um traço marcante dessa nova bancada fiel a Bolsonaro. A média de idade dos eleitos pelo PSL é de 45 anos. Em 2014, a Câmara eleita naquele ano tinha média geral de 51 anos. A tendência é de uma era conservadora pelas próximas eleições. Mesmo que Fernando Haddad vença, os conservadores farão uma oposição intensamente ideológica. Com a vitória de Bolsonaro, além de tudo os parlamentares de direita poderão ter a chance de ganhar experiência administrativa no governo federal.
A juventude é um traço marcante dessa nova bancada fiel a Bolsonaro. A média de idade dos eleitos pelo PSL é de 45 anos.  
Dentro do PSL, vale destacar também a catarinense Caroline de Toni, de 34 anos. Advogada, ela mesmo se define como “olavete” – uma referência ao filósofo e bastião do conservadorismo extremo brasileiro, Olavo de Carvalho. No seu currículo, a presidência do MBL em Chapecó (SC) e a fundação do Movimento Liberal Conservador. Entre suas propostas de campanha estão as já “normais” criminalização do MST e fim de demarcação de novas terras indígenas. Mas também “abolir financiamento público de jornais, emissoras, paradas gay, carnaval”. Originalidade ela tem.
Há também os radicais mais toscos. Bolsonaro arrastou para o Congresso algumas figuras que prometem fazer parte do folclore da Câmara. Se considerarmos que Joice Hasselmann e Alexandre Frota são já hours concours nessa seção e dispensam apresentações, o mesmo não pode ser dito de Nelson Barbudo e Tio Trutis. Ambos vêm do centro-oeste, do mundo fantástico do agro: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, respectivamente. Barbudo é, de fato, barbudo. Se Nelson Ned Previdente (sim, esse é o nome real dele) repetir em plenário o tipo de discurso que faz para seus 45 mil inscritos no canal do Youtube e que o levou a ser o mais votado do Mato Grosso, ficará marcado não apenas pela retórica zombeteira às esquerdas e à mídia, mas também pelo seu chapéu indefectível. Já Trutis é um bem radical, bronco, sem qualquer qualificação outra que não sua retórica. Esta foto diz tudo.
Outro da ala radical do PSL, se é que dá para dividir as coisas dessa maneira, é o mineiro Cabo Junio Amaral. Tem 31 anos apenas, mas já está há 11 na Polícia Militar. Deu tempo de criar o “Direita Minas” e decidir que valeria a pena concorrer a deputado federal defendendo, entre outras coisas, a tipificação do comunismo como crime, o trabalho forçado de presos e o fim das audiências de custódia (em que presos em flagrante são levados a um juiz para avaliação de eventuais maus tratos).
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Fotos: Reprodução

Coturnos na Câmara

As forças policiais e militares estão em peso na tropa pesselista. Dos 52 eleitos, 20 são policiais ou integrantes das Forças Armadas – entre eles, três delegados da Polícia Federal, dois generais e um coronel do Exército. Um dos policiais é Daniel Silveira, eleito pelo Rio de Janeiro. Passou batido no episódio protagonizado por ele, da destruição da placa em homenagem a Marielle Franco, mas o rapaz de 35 anos é policial militar. Apesar dos músculos bem trabalhados, não deverá ter força para protagonizar a dinâmica do novo Congresso. Foi eleito na rabeira, pelo quociente eleitoral.
Em São Paulo, vale citar a eleição do Coronel Tadeu. Da Polícia Militar, Marcio Tadeu Anhaia de Lemos é parceiro de negócios do Major Olímpio, eleito senador e um dos principais coordenadores da campanha de Bolsonaro. Tadeu e Olimpio escreveram juntos dois livros.
Há dois generais entre os eleitos pelo PSL – algo inédito na Câmara. 
Com a aura militarista de seu governo, não poderiam faltar deputados de farda nobre. Há dois generais entre os eleitos pelo PSL – algo inédito. São espécies de generais Mourão do Congresso. Um deles é Elieser Girão Monteiro Filho. Eleito pelo Rio Grande do Norte, o General Girão já foi secretário de segurança no próprio RN e também em Roraima. Uma de suas propostas é reduzir a maioridade penal para 14 anos e rever o Estatuto da Criança e do Adolescente como um todo.
O outro general bolsonarista que estará circulando pelo plenário da Câmara é Roberto Sebastião Peternelli Júnior, conhecido como General Peternelli. General desde 2006, ele já comandou diversas unidades do Exército. Já foi também secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional. Seu currículo não para aí. Um post em seu Facebook defendeu diretamente intervenção militar para tirar Dilma Rousseff do poder. Depois, disse que sua conta tinha sido invadida. Mas ele odeia “comunistas”. Sob Temer, foi indicado para presidir a Funai, mas, devido a suas posições contrárias aos interesses indígenas, sua nomeação não foi confirmada.
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Fotos: Reprodução

Ministeriáveis

O exército de Bolsonaro tem também alguns nomes com perfil de ministro. São nomes, que, independente de discordâncias ideológicas, vale acompanhar o trabalho e o destino político que terão nos próximos meses e anos. Heitor Freire, por exemplo, é do Ceará – região onde Bolsonaro ainda não conseguiu uma inserção relevante. Ao mesmo tempo em que exibe diplomas de universidades nos Estados Unidos e na Inglaterra e mais de 15 anos de experiência no mercado financeiro, tendo trabalhado, entre outros, para o BankBoston e HSBC, Freire traz também consigo o manual de bolso do conservador brasileiro: é favorável a uma lei antiterrorismo que inclua o MST e o MTST como organizações terroristas, a revogação do estatuto do desarmamento, entre outros.
No campo policial, o Delegado Marcelo Freitas, eleito por Minas Gerais, chega ao Congresso com uma carreira construída desde 2002 na Polícia Federal. Recentemente, esteve na lista tríplice da corporação para substituir Leandro Daiello Coimbra na direção geral da PF. Freitas é também professor na Academia Nacional de Polícia. Vindo de um colégio eleitoral forte como Minas Gerais, tem perfil para ministro da Justiça ou mesmo para o comando de comissão importante na área de segurança pública.
O que pode pesar contra ele é que trata-se de um caso interessante de hibridismo conservador dentro do PSL. Ao mesmo tempo em que defende “repressão qualificada” e “valorização do direito de defesa”, ele quer descriminalizar o usuário de drogas. Ao mesmo tempo em que prega a revisão da regra atual de reajuste do salário mínimo, ele defende “oferecer renda para quem não tem emprego, seguindo modelos da Finlândia, Canadá e partes dos Estados Unidos”.
Outro “moderado” nos quadros do PSL é Luiz Lima, ex-nadador. Eleito pelo Rio de Janeiro, capital nacional do esporte, não seria surpresa ele ocupar o ministério desse setor. Ele inclusive já trabalhou na pasta, mas saiu criticando a “política viciada”. Lima pode ser o rosto adequado para um eventual esforço de relações públicas do governo Bolsonaro. Faz parte do movimento RenovaBR, aquele do Luciano Huck, e pode ser a ponte de Bolsonaro junto a esse grupo (Lima é um dos dois únicos filiados ao PSL entre os 133 ‘líderes’ do grupo). Entre os doadores de sua campanha está Abílio Diniz, dono do grupo Pão de Açúcar.
Daniel Freitas, segundo mais votado em Santa Catarina, também merece atenção. Vereador em Criciúma, ele já trabalhou no departamento comercial da RBS (afiliada da Globo no Rio Grande do Sul) e assessorou o secretário de Comunicação Social de Santa Catarina. Sua especialidade é a organização de eventos. Tem inclusive empresa nesse ramo. Um posto na equipe de Comunicação Social do governo não seria uma surpresa – inclusive pela dívida de gratidão que Bolsonaro tem com Santa Catarina, o estado que mais lhe deu votos proporcionalmente em todo o Brasil.
Atenção também para Carlos Jordy, vereador de Niterói e que chega à Câmara com 36 anos, uma oratória bastante segura e um discurso supostamente bem embasado para sustentar sua opção conservadora. Sua formação é em hotelaria e turismo, mas trabalhou durante um tempo considerável na área de licitações e contratos públicos – inclusive no governo federal, mas como concursado. Só entrou para a política em 2016. Jordy se define como “conservador cultural”, citando A Política da Prudência, de Russell Kirk, um dos livros de cabeceira da turma que surfa essa onda de conservadorismo no Brasil.
Na tropa bolsonarista, há ainda o seu “quase vice”, o príncipe Luiz Philippe de Orleans e Bragança. Espera-se alguma recompensa maior para ele, que vá além do direito de circular para cima e para baixo no Congresso e seus anexos. Já andei bastante por lá, e aquilo cansa. Não deve ser algo digno para um príncipe, convenhamos.
Imagem em destaque: No alto, à esquerda: Felipe Francischini, do PSL, eleito deputado federal pelo Paraná. Abaixo dele, também deputado federal pelo Paraná, Sargento Fahur, do PSD. No centro, o candidato à presidência, Jair Bolsonaro. No alto, à direita, o deputado federal pelo Mato Grosso do Sul, Tio Trutis e, logo abaixo, o deputado federal pelo Rio de Janeiro, Márcio Labre, ambos do PSL.