segunda-feira, 20 de julho de 2020

Margarida Salomão: Aos 47 minutos do 2º tempo, Bolsonaro quer tirar dinheiro da Educação


Via Mundo
Vota FUNDEB! A batalha da Educação


Por Margarida Salomão*

É uma vergonha que no final da segunda década do século XXI o Brasil tenha que travar uma guerra política pelo financiamento da Educação Básica.

Tardia, como se sabe, só no final do século XX, a educação brasileira postulou como meta “todas as crianças na escola”.

Após a redemocratização, o governo Fernando Henrique estabeleceu o FUNDEF (criando um Fundo de recursos dos estados e municípios, complementado pela União para manter e aperfeiçoar o Ensino Fundamental), que vigorou entre 1998 e 2006.

Esse Fundo foi substituído e ampliado pelo governo Lula em 2007, alcançando agora toda a Educação Básica (da Creche ao Ensino Médio), e recorrendo a uma cesta mais diversa de tributos para sua constituição.

É a vigência desse Fundo que se extingue agora em dezembro deste ano.

Trata-se de 165 milhões de reais (valor de 2019) que garantem o atendimento educacional de mais 40 milhões de crianças e jovens em todo o país: esse valor perfaz 65% de tudo o que se gasta hoje no Brasil com educação.

O FUNDEB contribui para o pagamento da folha de pessoal dos educadores, para a manutenção física das escolas, para a aquisição de material pedagógico, para o funcionamento real da educação.

Sua instituição teve um impacto muito positivo, especialmente nos municípios e estados mais pobres.


É lógico que essa trajetória não esconde grandes deficiências.

Aquela que é mais proclamada diz respeito à comparação dos resultados das avaliações censitárias dos alunos brasileiros com alunos de outros países.

Esse juízo desconsidera os dados da evolução longitudinal observada, e, principalmente, o nosso gigantesco atraso no provimento da educação.

De fato, as gerações recentes (quer dizer, as que chegaram à escola nos últimos vinte anos), correspondem à primeira leva da população brasileira que se tornou sujeito de uma educação básica universalizada.

E essa universalização contém graves lacunas:

— Ainda não temos creche nem para metade das crianças de 0 a 3 anos de idade;

— Agora, com a pandemia, tivemos um fechamento massivo das escolinhas de educação infantil;

— Há, por conta da retenção, um desajuste considerável entre idade esperada e idade verificada do alunado do anos finais do ensino fundamental e do ensino médio;

— Não temos nem 11% das escolas oferecendo educação integral

— É preciso um grande reforço na Educação de Jovens e Adultos…

Problemas não faltam.

Em favor da superação desse quadro, é que se propõe o Novo FUNDEB, através da Emenda Constitucional 15, de 2015, que vem sendo exaustivamente debatida há 5 anos, num esforço conjunto da Câmara e do Senado.


Louve-se, entre tantos que merecem louvor, a disposição construtiva da Professora Dorinha, Relatora da PEC 15, que redigiu seu Relatório Final em diálogo com educadores, alunos, gestores estaduais e municipais da educação, centrais sindicais, entidades pela educação de toda persuasão ideológica, e, principalmente, com parlamentares de todos os partidos.

O relatório que vai a voto nesse histórico 20 de julho traduz um valente esforço de concertação, o grande consenso possível.

O novo FUNDEB constitucionaliza o financiamento à Educação Básica, tornando-o permanente, e, pois, política de estado, imune às flutuações políticas dos governos; amplia a participação da União que passará gradualmente, num período de seis anos,dos atuais 10 para 20% do Fundo; estabelece o Custo Aluno Qualidade como referência para o valor per capta da formação dos estudantes em todos os níveis e modalidades do ensino; estipula um piso de 70% para remuneração dos profissionais da educação em todas as redes; e vincula os recursos repassados ao financiamento da educação pública.

Pois não é que agora, aos 47 minutos do segundo tempo, aparece o governo Bolsonaro tentando boicotar o monumental esforço político de produção de consensos, propondo, na prática, tirar dinheiro da educação?

Sob o pretexto de repassar recursos para a assistência social, circula apocrifamente a ideia de subtrair 5% da contribuição federal ao FUNDO para

“transferência direta de renda para famílias com crianças em idade escolar, inclusive com vistas a ações relacionadas a (sic) primeira infância e auxilio creche (sic)”.

Compartilho aqui a indignação da Frente Parlamentar Mista pela Educação, seja pela extemporaneidade dessa proposta seja por ela expressamente pretender que creche e cuidados à primeira infância pertençam à esfera da assistência e não da educação, concepção tecnicamente superada há décadas.


Se o governo entende que mais recursos devam ser acrescentados ao Programa Bolsa Família é evidente que apoiaremos essa ideia, mas nunca às expensas do financiamento da Educação Básica.

Outro ataque a ser repelido refere-se à proposta de remover a subvinculação de 70% dos recursos para remuneração de pessoal.

Ataque odioso a mais de 2 milhões de profissionais, mulheres na sua grande maioria (85% do total), que trabalham muito e recebem menos do que os educadores em todos os países da OCDE.

Além de seu caráter ideológico, a proposição é vazia de substância: 76% das redes de educação do país já investem mais que 80% do Fundo para esse fim.

Na cidade de São Paulo, maior município do país o percentual já alcança os 100%…

O desprezo do governo Bolsonaro pela vida das pessoas está patente na indiferença com que trata o Maracanã de mortos (quase 80 mil vidas perdidas) para o COVID no Brasil.

A ofensiva contra o FUNDEB, desrespeitosa com o parlamento e ultrajante para com a educação, demonstra também o seu desprezo pelo futuro de nosso país.

Não permitiremos que o atraso prevaleça.

Confiamos que a pressão da sociedade e a altivez do Congresso Nacional hão de assegurar, em boa hora, a votação do Novo FUNDEB.

Pelas crianças. Pela juventude. Pelo Brasil.

*Margarida Salomão  é deputada federal (PT-MG). Foi reitora, reeleita, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) entre 1998 e 2006.

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