segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Entrevista com Lívia Noronha (PSOL), pré-candidata a prefeita de Ananindeua: "Quem tinha dúvidas sobre a precariedade do sistema de saúde do município, tirou suas dúvidas da pior forma, durante a Pandemia. "

 

Ananindeuadebates - Quem é Lívia Noronha?

Lívia Noronha - Sou uma mulher negra, com orgulho e conhecimento sobre esses dois marcadores que compõe minha identidade. Sou feminista negra, militante do movimento negro. Tenho apenas 30 anos, e ao mesmo tempo trago vivências diversas, 9 anos de trabalho com educação popular, desde um pequeno projeto de aulas livres de arte e filosofia, até a idealização e coordenação do primeiro cursinho pré-vestibular, do Pará, inteiramente gratuito e cujo público prioritário é: pessoas trans, negras e moradoras de periferia. Sou bacharela e mestra em Filosofia pela UFPA. Aos 17 anos já era estudante universitária, e aos 24, professora substituta do curso de Filosofia da Universidade do Estado do Pará. Mas, também vivi a experiência do "desemprego materno", após o nascimento do meu segundo filho, primeiro filho biológico. Sou uma mulher, moradora da periferia (Distrito Industrial), com as vivências da maioria das mulheres da periferia, e ao mesmo tempo, de uma minoria que conseguiu "superar" as estatísticas; E tenho muitos sonhos, um deles é inverter uma lógica de dominação que tem subalternizado pessoas. Eu sonho com justiça e equidade.

AD -Qual  o seu olhar sobre o município de Ananindeua, a  segunda maior  cidade do estado?

LN - Apesar de Ananindeua ser a segunda maior cidade do estado, é o pior índice de saneamento básico entre as 100 maiores cidades do Brasil. Essa colocação diz muito sobre como a cidade e os munícipes são tratados. Investimento em saneamento básico é também investimento em saúde preventiva. E por falar em saúde, sou usuária do SUS, e sei das dificuldades que enfrentamos quando precisamos de uma consulta com alguma especialidade. Recebemos o encaminhamento, quando conseguimos, e aguardamos por meses.

Quanto mais conhecemos as periferias, e as populações mais precarizadas, mais nos aprofundamos em problemas que são incompatíveis com o tamanho de Ananindeua. Há áreas sem acesso a transporte público, sem escolas e unidades de saúde. 

O número de creches não atende a demanda, e atender a demanda - associando a outras ações importantes de profissionalização e empregabilidade - significaria também garantir o direito das mulheres que são mães e chefes de família (lembrando que nós mulheres somos mais de 50% da população do município), se inserirem no mercado formal de trabalho.

Há problemas históricos no município que precisam de uma compreensão intersetorial e de um olhar empático e minimamente humanizado por parte da gestão municipal, para que as pessoas deixem de ser tratadas como números, visíveis somente em "ano de eleição". Nosso município é formado por populações, culturas, diversidade, vidas, e essas não têm sido valorizadas, é por isso que somos o segundo maior, mas também somos famosos pelo altíssimo número de feminicídio e homicídio, pelo baixíssimo índice de investimento em saneamento básico e saúde, pelas diversas obras inacabadas, pela dificuldade de transporte, pela falta de incentivo a economia local etc. Somos um município grande, que precisa ser tratado como tal!

 AD -   Ananindeua é uma cidade  governada há 20 anos por dois grupos políticos que se revezam no poder local PSDB e MDB. Uma mulher,  oriunda da  periferia, tem condições de enfrentar essa oligarquia política?

LN - Só uma pessoa que tem vivência de moradora de uma periferia de Ananindeua, competência política (e é bom que se diga que política não se faz somente nas instituições, mas também - e principalmente - em trabalho de base) e também conhecimento acadêmico tem condições de enfrentar essa oligarquia política, que pega na mão das pessoas de quatro em quatro anos, e passa o resto do tempo, enquanto ocupa espaços de poder, oferecendo migalhas.

Há uma falácia de que só se faz política com dinheiro. Estou há pelo menos 9 anos fazendo política, com coragem e honestidade, e acumulo resultados positivos, é o momento de ocupar a política institucional.

Mas, minha certeza de que tenho condições de enfrentar essa oligarquia não vem somente da minha experiência particular, mas da experiência em construções coletivas, da vontade de fazer gestão participativa, e da convicção de que não entro na disputa sozinha, tenho ao meu lado não somente o partido que construo, mas muitas pessoas que perderam a esperança em uma mudança possível no quadro político em Ananindeua, mulheres, mães, pessoas negras que nunca se viram representadas, comunidades tradicionais que guardam inúmeros saberes e que precisam ser valorizadas, as periferias, que devem ser postas no centro do nosso discurso, do nosso programa e - no futuro - da nossa gestão.

 AD - Como você vê o sistema de saúde do município antes e agora na pandemia do Covid-19?

LN - Antes da Pandemia de COVID-19, já tínhamos um cenário muito precário de saúde no município. Contamos com Unidades básicas muito sucateadas, com muito esforço humano, muitas vezes, mas pouquíssimos recursos materiais. Somente agora, no final da gestão do atual prefeito, foi assinado um convênio do estado e prefeitura municipal para a construção do primeiro hospital pediátrico do município. E esse hospital não é uma concessão ou um presente, é fruto de anos de reinvindicação da população do município. E ainda é pouco, pois precisamos de hospital municipal, com leitos de tratamento intensivo, de uma casa de parto, precisamos dar atenção mínima à saúde das populações,  considerando suas especificidades, idosas, com deficiência, trans, LGBT, negras, mulheres, crianças, todas essas populações precisam de atenção, de tratamento humanizado e especializado que - repito - compreenda suas especificidades.

A Pandemia só agravou e tornou todas as deficiências do sistema de saúde do município mais evidentes. As Unidades de Saúde não apenas foram insuficientes para atender a população, como foram palco de cenas constrangedoras de desespero não somente por parte dos usuários, como dos funcionários. Boa parte dos moradores de Ananindeua, que adoeceram de COVID , são usuários do SUS, e precisaram de atendimento médico, recorreram a outros municípios, especialmente a policlínica e ao hospital de campanha. Quem tinha dúvidas sobre a precariedade do sistema de saúde do município, tirou suas dúvidas da pior forma, durante a Pandemia.

 AD -  Apesar da rejeição da gestão do prefeito Manoel Pioneiro, com mais de 70%  como apontam as pesquisas, o pré-candidato oficial do prefeito  aparece em primeiro lugar nas intenções de voto para a eleição de novembro. Como você avalia esse quadro?


LN - O deputado e médico Daniel Santos já tem um mandato, já esteve em campanha - e uma campanha diferente de como será a nossa - , e por isso é previamente muito conhecido. Nas primeiras pesquisas é comum que a preferência esteja com os candidatos mais conhecidos. Boa parte dos eleitores ainda não conhecem as demais opções, como eu, por exemplo. E há uma crescente despolitização e também desesperança entre os eleitores, especialmente das camadas mais populares.

Mas, no momento em que as pessoas conhecerem os perfis políticos de todos os candidatos e puderem avaliar melhor nossos trabalhos, nossas trajetórias e quem somos, as diferenças ficarão evidentes, e poderemos ver uma alteração nesse quadro.

E o PSOL é um partido que, desde o seu surgimento,  apresenta alternativa para o povo, trazendo um novo projeto democrático, popular, de direitos e de luta.

Temos condições de devolver a esperança para Ananindeua, e fazer a mudança acontecer - finalmente - pelas mãos do povo.

Um comentário:

Alexandra disse...

Parabéns, primeiramente pela coragem pq sabemos que não é fácil quebrar essa oligarquia. E segundo por tudo que vc represetnta, por sua força, por sua competencia e desejo de mudança com o que a grande maioria não tem, a escuta e participação popular nesse processo. Tens meu total apoio nessa caminhada.