Via ICL
Agentes acompanharam protestos contra medidas do governo Helder Barbalho; defensoria e MPF apontam desvio de finalidade. O governo do Pará utilizou agentes secretos infiltrados para repassar informações em tempo real à cúpula da administração estadual. A operação ocorreu em janeiro de 2025, durante manifestações de povos indígenas em Belém contra mudanças na educação das aldeias, sob a cobertura do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), cuja função deveria ser justamente resguardar militantes ameaçados. As informações são do repórter Adriano Wilkson, em matéria publicada no site Jota.
Relatórios produzidos pelo serviço de inteligência do estado identificaram lideranças, aliados, intenções e formas de financiamento dos protestos, orientando decisões do governador Helder Barbalho (MDB) e de seus secretários. A infiltração foi confirmada pelo delegado Carlos André Viana, chefe do Setor de Inteligência e Análise Criminal da Secretaria de Segurança, em depoimento prestado em junho no processo 1004678-39.2025.4.01.3900, em tramitação no TRF-1.
Segundo Viana, agentes do estado acompanharam o deslocamento dos indígenas Arapiun, Borari e Munduruku, entre outros, até Belém, relatando conversas e movimentações por WhatsApp e ligações telefônicas. Naquele momento, os indígenas debatiam como se daria a manifestação e articulavam o apoio de outros movimentos sociais críticos à gestão de Rossieli Soares, então secretário da Educação do governo Helder Barbalho (MDB) no Pará. Durante a ocupação da Secretaria de Educação, os infiltrados permaneceram entre os manifestantes.
O serviço de inteligência produziu ao menos dois relatórios sigilosos que identificaram as lideranças do movimento, seus aliados, suas intenções e formas de financiamento. Os infiltrados se comunicavam com o governo de Helder Barbalho por meio do WhatsApp ou por ligações, enviando imagens e detalhando o que as lideranças do protesto discutiam. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Em 2023, representantes de oito países se reuniram com o presidente Lula (PT) em Belém para a Cúpula da Amazônia, um evento preparativo para a COP30, a conferência da ONU que será realizada na cidade em novembro. Na ocasião, manifestantes indígenas críticos ao governo estadual também foram monitorados, segundo o chefe de inteligência.
A revelação gerou reação imediata da Defensoria Pública da União e do Ministério Público Federal. O Ministério Público Federal abriu investigação para apurar a natureza da relação entre os espiões e o estado. Uma das questões em aberto é se os agentes infiltrados são funcionários públicos da secretaria ou se são os próprios indígenas protegidos pelo programa.
Para o defensor Marcos Teixeira, houve desvio de finalidade: “Não existe previsão legal que permita usar o PPDDH, criado para proteger militantes, como fonte de inteligência para medidas contrárias a essa militância. É um contrassenso.”
Liderança indígena: “Dados são sigilosos”
Entre os indígenas, a denúncia reforçou a desconfiança. O cacique Dada Borari, incluído no programa desde 2006 e uma das lideraças da ocupação, afirmou: “Os dados dos defensores são sigilosos. “O estado não pode ficar sabendo desses dados, até porque, querendo ou não, o estado é inimigo dos defensores. O estado libera grandes projetos na Amazônia só com o objetivo de trazer fundos, o que pra nós é muito ruim. Sabendo disso, eu quero fazer uma denúncia ao MP para que eu não precise mais dar informação pro programa, porque não tem como confiar.”
O governo do Pará afirmou que as operações de monitoramento seguem a “legislação vigente”, sem mencionar uma lei específica, e negou desvio de finalidade do programa de Direitos Humanos. “Colaboradores mencionados em operações de monitoramento não se confundem com beneficiários do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), tampouco há uso de informações protegidas pelo programa para fins alheios à sua finalidade”, escreveu o governo em nota.
A Secretaria de Igualdade Racial e Direitos Humanos, responsável pelo PPDDH no estado, disse não ter conhecimento do uso do programa para espionagem.
Com a proximidade da COP30, a relação de Helder Barbalho com povos indígenas permanece tensionada. Embora conte com apoio da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), o governador enfrenta críticas de lideranças Arapiun, Borari e Munduruku, protagonistas das manifestações que denunciaram o monitoramento.
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