sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Nossos heróis não matam, general


As seguidas instigações à violência feitas pelo general candidato a vice na chapa de Bolsonaro revelam mais do que o desrespeito à democracia, por si só lamentável. Ao dizer que “os profissionais da violência somos nós [o Exército]” e qualificar falsamente o desequilibrado autor da horrível facada contra o ex-capitão como “militante do PT”, a intenção parece ser a de semear o medo e o ódio em uma campanha que já desperta receio e perplexidade na população.


Do ponto de vista subjetivo, a valorização da violência – também expressa no gesto provocativo do candidato fotografado na cama do hospital – faz mais do que incitar paixões. Despreza a força da resistência pacífica que engrandece aqueles que realmente lutam contra a violência política a que estão submetidos. 



Duas recentes reportagens da Pública mostram como agem heroicamente as vítimas dessa violência: a série de vídeos sobre a fome na periferia de São Paulo, e as reportagens sobre o mais recente episódio de agressão aos Guarani, no Mato Grosso do Sul.



Não há como ficar indiferente à força das mulheres que batalham diariamente pela sobrevivência de suas famílias, sem queixas nem acusações, apesar do abandono do Estado e da injustiça gritante de que são alvo na cidade mais rica do país. Ou deixar de se indignar diante da invasão da tropa de choque da PM-MS em Caarapó sob o pretexto de proteger jagunços que atiraram contra duas meninas indígenas que colhiam melancias plantadas por seus parentes em área já identificada pela Funai como terra Guarani-Kaiowá. 



Como mostra a prisão do xamã Alcebíades, alvo de cinco tiros de balas de borracha, extraídas a seco pelos policiais – que também suturaram os ferimentos do ancião na cadeia! – ninguém ameaçava de fato os jagunços que agrediram as garotas, embora não lhes faltasse motivos para apelar para a violência.



A força dos indígenas – e das mulheres da periferia – está na alegria e na dignidade com que lutam para sobreviver. Dê uma olhada na cena final do vídeo feito por Joana Moncau, com reportagem de Renan Antunes de Oliveira, e veja como entre risos, eles celebram a vida, comendo melancia, sem que ninguém, nem mesmo o velho xamã recém-saído da cadeia, assuma o papel de herói. 



É dessa coragem que precisamos, general, para enfrentar a crueldade vigente no país, e alavancada pelos militares em seus quase 30 anos no poder.



​Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

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